Stephen Hawking, o mérito e a contratação dos doutorados
Inúmeras tarefas que antigamente eram manuais são agora feitas no computador, fruto do desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Curiosamente, tal não se passa com as próprias deduções matemáticas que os cientistas têm de fazer para proporcionar muitos desses mesmos avanços. Para isso, eles continuam a recorrer ao lápis e ao papel.
Mas o que é que isto tem que ver com Stephen Hawking, com o mérito e com os doutorados?
A ciência é cada vez mais um empreendimento colectivo, o que dificulta a nomeação de indivíduos que se destaquem por contribuições com carácter de singularidade. Esse foi, literal e metaforicamente, o legado de Stephen Hawking para a Física. Uma supernova que brilhou muito e por muito mais tempo do que os seus médicos tinham previsto.
Tendo desafiado a morte durante tanto tempo, Stephen Hawking deixou-nos aos 76 anos. Tal como os seus buracos negros, e para grande tristeza nossa, colapsou por fim esta estrela gigante do firmamento da ciência. Que lições podemos agora retirar da vida dele, sem cair em elegias lamechas?
Proponho olhar para uma em particular: a questão do reconhecimento do mérito.
Para isso, voltemos à escrita. É curioso que, por regra, os cientistas aparecem nos filmes a fazer os seus cálculos num quadro (obviamente por motivos de cinematografia). Contudo, tenho para mim que a maioria prefere o lápis e o papel em vez do quadro e do giz. Em qualquer dos casos, eles pensam e simultaneamente escrevem as suas equações.
Aquilo que dificilmente se consegue imaginar é alguém a fazer ciência exclusivamente no seu cérebro, como acontecia necessariamente no caso de Stephen Hawking. Apesar das limitações, ele protagonizou avanços notáveis em relatividade geral e manteve por décadas uma intervenção absolutamente notável na sociedade. É quase um mistério científico em si a mera existência de uma pessoa como Hawking. Reconhecemos-lhe um mérito impar.
No entanto, não é preciso ser um génio para se ter valor. Pergunte-se: será que as empresas privadas e as instituições públicas promovem e premeiam o mérito dos indivíduos altamente qualificados?
O tema é recorrente, mas veja--se a dificuldade que os doutorados continuam a ter na integração no ecossistema de trabalho em Portugal. Se um decisor se cruzar com alguém que apresente qualificações notáveis, o que fará ele? Perante uma candidatura por parte de um doutorado, com um potencial acrescido de geração de valor, vai-se exclui-la por ser meramente possível contratar outrem - talvez com menores qualificações - por menos dinheiro?
A pergunta que se impõe, no fundo, é apenas uma: e se esse candidato tivesse sido Stephen Hawking? Contratava-o?
Professor do Instituto Superior Técnico
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico