Stephen Frears, um cineasta realista e da realeza
Provavelmente, para muitos espectadores, Stephen Frears continua a ser, antes do mais, o cineasta que, em 1988, assinou esse grande sucesso que foi Ligações Perigosas, com Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer e Uma Thurman (distinguido com três Óscares, incluindo o de argumento adaptado, para Christopher Hampton). Ironia curiosa, sem dúvida, quanto mais não seja porque, historicamente, o nome de Frears surge associado a toda uma vaga de renovação realista do cinema britânico a que também pertence, por exemplo, Mike Leigh, o autor de Segredos e Mentiras (Frears nasceu em 1941, Leigh em 1943).
Se nos lembrarmos daquele que foi o primeiro grande sucesso internacional de Frears, A Minha Bela Lavandaria (1985), com Daniel Day-Lewis, o rótulo de realista não lhe fica mal, quanto mais não seja porque há nele uma intransigente defesa da verdade dramática das personagens. Mais do que isso: na melhor tradição britânica, o seu olhar valoriza os sinais concretos das convulsões sociais e das crises individuais de identidade - o seu filme mais ousado feito nos EUA, O Herói Acidental (1992), com Dustin Hoffman, pode ser um esclarecedor exemplo.
Seja como for, desde a década de 70, quando dirigiu muitas emissões dramáticas e telefilmes para a BBC, Frears tem sido um cineasta da teatralidade. E não necessariamente pela inspiração do palco. Antes porque o realismo da sua visão não exclui, antes favorece, a descoberta dos elementos teatrais que contaminam todas as relações, em particular as que, direta ou indiretamente, envolvem conotações políticas.
Nada disso o tem impedido de experimentar os desvios mais sugestivos, como aconteceu, por exemplo, através de Alta Fidelidade (2000), centrado no bizarro empregado de uma loja de discos, magnificamente interpretado por John Cusack, ou em Tamara Drewe, insólita comédia rural protagonizada por Gemma Arterton. Ainda assim, o seu filme mais conhecido será A Rainha (2006), com Helen Mirren a interpretar Isabel II na sequência da morte da princesa Diana. O novo Vitória e Abdul parece mesmo confirmar uma contida obsessão temática de Frears. Dir-se-ia que a realeza lhe permite expor um fundamental desequilíbrio humano. A saber: a diferença, por vezes abissal, entre o valor simbólico de uma personagem e o realismo da sua intimidade.