Eduardo Souto de Moura abanou cada escada do Estádio Municipal de Braga (Estádio da Pedreira), antes de este inaugurar às portas do Euro 2004. O arquiteto, hoje com 63 anos, lembrava-se da queda de um varandim no estádio José Alvalade que matou duas pessoas em 1995. "Houve dois dias em que não dormi". Até há "uma estatística: vão morrer cinco pessoas no estádio. Acho que só morreram dois, um camião que tombou. É desagradável um tipo saber que houve pessoas que morreram a materializar um risco que eu fiz. Não acha?".Do sítio onde nos sentamos para ouvir esta história vê-se a maquete do estádio. Obra que, relembrava o arquiteto na visita desta terça-feira aos jornalistas, ainda não lhe foi inteiramente paga. "Gostava que me pagassem", comentou Souto de Moura, afirmando que ainda não recebeu a terceira parte do pagamento..Do mesmo sítio avistam-se as maquetes da central hidroelétrica da Barragem do Tua (em construção), da Torre do Burgo, do metro do Porto, ou de uma casa em Moledo. A exposição Eduardo Souto de Moura: Continuidade, com curadoria de António Sérgio Koch e André de França Campos, atravessa a obra do arquiteto, vencedor do prémio Pritzker em 2011, em sete obras..Na Garagem Sul do Centro Cultural de Belém, Lisboa, vemos as maquetes e, por detrás, os edifícios em pequenos filmes - episódios, como fotografias levemente animadas - do japonês Takashi Sugimoto. E ainda uma entrevista onde ouvimos Souto de Moura falar das suas obras, do que lê, do que importa na sua arquitetura. A certa altura, lança: "Eu não posso ser metafísico se não dominar a física."."Conhece o Joseph Beuys?", pergunta. Um dia o artista alemão fez uma exposição numa galeria nova-iorquina que consistia, simplesmente, no próprio Beuys fechado com "um coiote feroz, um bastão, um cobertor, e muitos jornais." No final, conta Souto de Moura, "vê-se ele a despedir-se. E o coiote dá-lhe a pata." É assim que o arquiteto trabalha: o espaço é "um animal feroz". "Chego a um mosteiro em ruínas e digo: Como é que eu vou fazer aqui um hotel [vai fazê-lo no Mosteiro de Alcobaça]? Este coiote não vai ser fácil..." Mas domestica-o..A Casa das Histórias Paula Rego também está nesta mostra. E nasceu assim: "Sou pintora, chamo-me Paula Rego. Gostava muito de fazer um museu que não é bem um museu. E gostava que você fosse o arquiteto." Uma carta. Depois conheceram-se. Ela levou-o à Tate Britain, em Londres, abriu a uma sala roxa cheia de quadros de Bacon em tons laranja e disse: "Do que eu gostava era disto." Era incrível e, brincava Souto de Moura, "parecia a semana santa em Braga"..A pintora gostou do edifício final. Escreveu-lhe um "bilhetinho": "Gostei, é muito vermelhinho." Por acaso, o "vermelhinho" já vai saindo, porque Souto Moura se enganou ao fazer uma das escadas e, para não desequilibrar o orçamento, teve de prescindir de alguma coisa. A camada que não chegou a cobrir a cor vermelha da casa pagou o erro. A cor já não está como era. E agora? "E agora a escada está bem", responde numa gargalhada..Qual foi o coiote mais difícil de domesticar? O arquiteto pede licença para se levantar e espreitar as maquetes. Foi o Estádio. "É uma barbaridade. Vinte milhões de toneladas de pedra! Não estou arrependido, mas em termos racionais não tem muito sentido." Ele, que não percebia nada de futebol - e, recorda, talvez por isso o tenha encarado como algo "feito para a televisão, [onde] os jogadores são atores" - fez um estádio que é um colossal palco..Há muito para contar. "Para manter a contabilidade do escritório, sou obrigado a trabalhar lá fora. Para dizer a verdade, aqui [em Portugal] perde-se dinheiro." Mesmo que seja aqui que o arquiteto goste de trabalhar. Aqui: em que pode pedir para lhe ligarem quando da construção de uma parede para que ele, só nessa altura, decida se aquela casa de banho terá ou não janelas. Decidiu que teria. E nessa casa vive Álvaro Siza Vieira. "Já viu o que era o melhor arquiteto do mundo sem janelas, fechado às escuras, a insultar-me. [O edifício] Ficou mais feio, mas compensa brutalmente. A beleza não é metafísica, não é uma entidade pura, faz-se de confrontos, de antagonismos.".Em Souto Moura, naqueles vídeos e naquelas maquetes, agora em Lisboa, há sempre, e ainda, outra história para contar..(Artigo atualizado às 10.05)