Sonhar aos quadrados
Pintada do alto da sua parede, uma lua bonacheirona, dourada, cúmplice e sorridente dá as boas vindas a quem chega ao núcleo central do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora (FIBDA). Assim se inicia a viagem ao mundo do "Sonho", o tema central desta 16.ª edição comemorativa dos 100 anos de Little Nemo in Slumberland, a obra-prima de Winsor McCay, e que, à semelhança do ano passado, se concentra na nave comercial da estação de metro Amadora/Este.
Até dia 6 de Novembro, das 10.00 às 22.00, é aqui que se reúne a Nona Arte. Três pranchas originais da série Little Nemo, até agora recatadamente "escondidas" na galeria de um coleccionador franco-suíço, são a grande novidade da mostra e serão expostos pela primeira vez. A presença de autores como François Boucq, Vittorio Giardino, Rick Veitch e Ed Brubaker é outro dos pontos fortes da edição deste ano.
"À partida o tema do sonho pode parecer simplista, mas nós não o quisemos tratar como tal", explicou ao DN Nelson Dona, director do festival, acrescentando "Quisemos transformá-lo num projecto aliciante para todo o tipo de público, dos especialistas àqueles que apenas lêem BD como forma de entretenimento." Esse esforço é visível à medida que se percorrem os cerca de 2500 metros quadrados do espaço principal. Rochas que saem de paredes cor de céu, estrelas espalhadas no chão, balões pendurados no tecto onde Little Nemo parece voar, com legendas surrealistas retiradas dos livros de McCay- "Esquisito! A minha cama está-se a afundar no chão!" - , uma entrada que não é uma porta mas a boca aberta de um animal e as várias molduras onde se exibem as pranchas compõem o cenário da exposição.
Mostra principal. São quatro os núcleos que compõem a temática do "Sonho na BD", a exposição com maior destaque no festival. Aqui se dedica o espaço a Little Nemo, o clássico criado por McCay há 100 anos (ver caixa), que para além de pranchas do autor americano inclui ainda homenagens ou paródias desenhadas por outros autores (por exemplo, Little Ego, de Giardino), e se desenha um percurso por vários artistas estrangeiros e portugueses cujos traços se inspiraram no mundo dos sonhos, tais como José Carlos Fernandes, Luís Louro, Neil Gaiman (Sandman), Bryan Talbot (Alice in Sunderland) ou Alan Moore(Promethea).
A Dream Comics ocupa um espaço contíguo, numa sala negra onde se expõe um leque vasto de artistas deste projecto em que os sonhos e os pesadelos são registados em forma de BD. Um caderno de notas na mesa de cabeceira é um objecto permanente, para apontar, ao acordar, o que se sonhou. Rick Veitch, autor americano de títulos como O Monstro do Pântano e Greyshirt eque habitualmente colabora com Alan Moore, é o grande nome desta mostra de universos sem barreiras em que as ideias para desenhar as páginas nascem dos apontamentos escritos no "diário dos sonhos". Veitch assina a frase que podemos ler na parede frontal "Walls mean nothing to dream-workers" ("As paredes não significam nada para os sonhadores").
Outras exposições. Ricardo Ferrand é o autor português em destaque na edição deste ano e, à semelhança do que já vem sendo tradição com os autores destacados, assina o cartaz onde uma cama com um menino (imagem de marca de Little Nemo) voa sobre um mundo desconhecido (e lá está a lua sorridente da entrada como testemunha). Ferrand destacou-se na BD humorística mas a sua mostra no FIBDA aposta no público mais novo , com uma história sem palavras protagonizada por um coelho branco.
Há ainda exposições dedicadas ao argumentista Ed Brubaker (o FIBDA apresenta trabalhos seus com os desenhadores Sean Phillips e Cameron Stewart), a João Mascarenhas e ao seu Menino Triste, ao projecto de Liam Sharp, Event Horizon, e aos 30 anos de carreira de José Abrantes. Jo-El Azara (que estará presente no festival) fecha o leque das exposições, na época em que se celebram os 40 anos do seu soldado japonês Taka Takata. Publicada maioritariamente sob a forma de gags de uma página ou histórias curtas, a série surgiu inicialmente na revista Tintin belga, marcando posteriormente presença na Tintin portuguesa.
O FIBDA dedica ainda um espaço a Astérix, de Goscinny e Uderzo, a propósito do recente lançamento mundial de mais um livro da série (O Céu cai-lhe em cima da cabeça) e da tradução para mirandês de Asterix, O Gaulês.
autores no festival. A presença de autores nacionais e estrangeiros é uma marca do FIBDA, que faz questão de ser mais do que uma sala de exposições. Nelson Dona admitiu que, embora não sendo difícil trazer os artistas ao festival, devido aos 16 anos de história do certame e à consideração internacional que conquistaram, pode-se tornar complicada a selecção.
"A maior parte das estrelas da BD já vieram à Amadora, e ou temos uma justificação de programação para os trazer ao público português, ou é preferível trazer outros artistas", esclareceu, defendendo-se de possíveis críticas quanto à falta de nomes mais sonantes no cartaz deste ano. Tanto mais que essa não é a prioridade "O objectivo do festival é apresentar, em cada edição, BD de expressões e características estéticas diferentes, sempre com qualidade muito grande. A ideia é ter sempre alguns artistas mais conhecidos e apresentar outros mais contemporâneos e alternativos."
Do programa fazem ainda parte as tradicionais sessões de autógrafos, uma feira do livro, lançamentos de novos álbuns, debates, conferências e várias actividades de animação. Para este ano o orçamento de programação é semelhante ao do ano passado - 175 mil euros - e espera-se conseguir manter ou até superar a afluência da edição anterior, calculada em cerca de 26 mil visitantes.
Mostras paralelas. Mais uma vez, o FIBDA é composto por exposições localizadas fora do núcleo central, todas elas gratuitas. Na Galeria Municipal Artur Bual expõe-se o trabalho de Miguel Rocha; na Casa Roque Gameiro poder-se--á apreciar uma homenagem a Carlos Alberto Santos e a obra de Marta Torrão na área da ilustração infantil; nos Recreios da Amadora tem lugar o habitual AmadoraCartoon; e no Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem celebra-se o 5.º aniversário da instituição com uma exposição do seu espólio.
Dia 29 são entregues, no Auditório dos Recreios da Amadora, às 18.30, os prémios dos concursos de ilustração, BD e cartoon, e ainda os Prémios Nacionais de BD - os Troféus Zé Pacóvio e Grilinho, instituídos pela Câmara Municipal da Amadora em 1990.