"Somos todos palestinos!"

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A retaliação criminosa (como têm reconhecido figuras insuspeitas, entre elas o ex-secretário-geral da NATO, Javier Solana, é disso que se trata e não apenas de uma guerra) do Governo sionista e de Extrema-Direita de Telavive aos ataques do Hamas contra Israel no último dia 7 de outubro está a merecer um repúdio praticamente universal. As exceções são as de uma minoria de governos, encabeçados, além de Israel, pelos Estados Unidos, assim como dos saudosistas do colonialismo e do racismo ocidentais, nos quais se incluem, com raríssimas exceções, os principais comentaristas e supostos analistas da grande imprensa mundial.

Em várias cidades do mundo, continuam a realizar-se grandes manifestações de apoio à causa palestina, que têm por palco, inclusive, grandes estádios de futebol e outros recintos desportivos e culturais. Milhares de judeus que se opõem ao genocídio dos palestinos que está em curso, defendendo uma paz justa na região, têm participado em algumas dessas manifestações e tomado outras posições públicas contra os desígnios das atuais autoridades de Israel.

Que se trata de uma retaliação criminosa, os números falam por si: de acordo com a respeitada organização Save the Children, só até ao passado dia 29 deste mês tinham morrido na Faixa de Gaza, em três semanas, 3195 crianças, vítimas dos bombardeamentos indiscriminados e cegos da aviação israelita. A cifra, acrescenta a referida organização, ultrapassa o número de crianças mortas em áreas de conflito em todo o mundo desde 2019.

Insistir, pois, no mantra do caráter terrorista do Hamas é de uma inqualificável ausência de senso de justiça e equidade. Para dizer o mínimo, tanto essa organização como o Estado de Israel são igualmente terroristas. O que diferencia, de facto, o ataque do Hamas a uma festa de jovens em Israel, com o seu macabro cortejo de mortos e sequestrados, e a asfixia da Palestina por Telavive, a crescente e ilegal ocupação dos seus territórios por parte de Israel, a repressão violenta e as prisões massivas de militantes palestinos e os bombardeamentos sobre aquilo que ainda resta do prometido Estado Palestino? Como todo o mundo sabe, isso acontece há 75 anos, ou seja, não começou a 7 de outubro de 2023.

A propósito da onda mundial de solidariedade com o persistente sofrimento dos palestinos, deitando por terra a estratégia propagandística do Ocidente Alargado, que insiste em focar-se nas ações do Hamas, alguns procuram confundir tal solidariedade com alegado antissemitismo. Uns fazem-no apenas para tentar caluniar e esvaziar o apoio global à justa causa da Palestina, pelo que não perderei tempo com eles. Mas outros, como acontece em especial com alguns judeus progressistas e sinceros defensores da solução de dois Estados, podem ter razão, aqui ou ali. Os apoiantes da Palestina, todos eles, precisam de se diferenciar, por conseguinte, de qualquer confusão com um eventual sentimento antissemita. Como angolano, lembro-me com frequência da frase de Agostinho Neto: "A nossa luta é contra o colonialismo português e não contra o povo português."

Como é óbvio, entretanto, a recusa radical de qualquer confusão entre o apoio à causa palestina e o antissemitismo - questão de princípio absolutamente irredutível! - não significa cair na tergiversação oposta: usar a memória do Holocausto para apoiar ou ser indulgente com o genocídio dos palestinos em curso neste momento. O professor judeu Norman Finkelstein, cujos pais foram mortos pelo nazismo, chamou a isso, em recente debate com estudantes de uma universidade internacional, "lágrimas de crocodilo". Disse ele: "Não há nada mais desprezível do que usar o sofrimento e o martírio deles [dos judeus mortos no Holocausto] para tentar justificar a tortura, a brutalização, a demolição de casas e o sofrimento que Israel comete todos os dias contra os palestinos."

Por tudo isso, e a terminar, insisto: é imperioso não confundir as consequências com as causas. O foco da atual tragédia no Médio Oriente foi identificado, entre tantos analistas e personalidades que acompanham a situação, pelo embaixador do Paquistão nas Nações Unidas, Munir Akram: "A ocupação da Palestina é a causa original deste problema. Quando um povo inteiro é encurralado, ele reage!" A única solução possível, por conseguinte, para alcançar a paz no Médio Oriente é cessar a guerra e impor a solução de dois Estados, com as fronteiras legalmente definidas pelas Nações Unidas e aceites pelas partes (mas violadas desde sempre por Israel).

Escritor e jornalista angolano

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