Somos mais do que aquilo que nos acontece

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Yves Mény, no seu livro deste ano, Democracias Imperfeitas - Frustrações Populares e Vagas Populistas, entre muitas reflexões e conclusões, recupera a noção de momentum e aplica-a à história. O "momento" é o ponto de viragem, a altura em que os acontecimentos se solidificam para mudar o rumo e constituir história. Como exemplos refere a queda do Muro de Berlim e, em Portugal, o 25 de Abril. Mas há outros, como a entrada na União Europeia. Noutra escala, na esfera das políticas, temos o momento em que recusámos a austeridade.

É interessante (e importante) tentarmos aplicar esta noção de "momento" à democracia em si. A democracia, enquanto modelo político, é um exemplo de resiliência. Essa perseverança deve-se à sua capacidade de reinvenção. Mas qual é o momento em que a democracia se reinventa e se adapta? É, indiscutivelmente, o momento da crise. quando as democracias se veem contestadas e, por vezes, até detestadas. Neste sentido, Mény chega à conclusão de que a pandemia global é uma oportunidade única para inovar a democracia. Só esta frase dava para muita teoria, muitos artigos e livros, pois claro... sobretudo se pensarmos em que moldes e com que limites se daria inovação.

O fundamental é valorizar a mudança urgente para sobreviver. Portugal, nestes últimos anos, tem conseguido materializar essa vontade de mudar. Desde já, numa área fundamental: o ambiente. Nas políticas ambientais, afastámo-nos dos pressupostos absolutos das gerações anteriores à nossa. Atualmente, regemo-nos pelo compromisso que não abdica do essencial - a descarbonização da economia. Ou seja, mais do que simplesmente obrigar, busca-se comprometer todos numa luta comum. Segundo uma estimativa do Eurostat, Portugal reduziu as emissões de dióxido de carbono em 8,7%, em 2019, face a uma redução média de 4,3% na União Europeia. A isto junta-se uma estratégia, por via da aposta no hidrogénio verde, que visa inverter o paradigma energético nacional: criar condições para Portugal, tradicionalmente um país importador líquido de energia, passar a exportador. Tudo isto, com as renováveis e a revolução na mobilidade urbana, permite-nos abandonar a Central de Sines de forma atenta, mas sem medos.

Portugal mudou também na forma como, enquanto democracia, se relaciona com os seus cidadãos. A recusa da austeridade e a aposta numa política económica solidária e virada para as pessoas foi o momento da mudança. Conseguimos uma solução governativa com capacidade de execução e que substituiu a clivagem ideológica pelo diálogo. Hoje temos, em plena crise pandémica e com uma crise económica anunciada, uma confiança que nos vai permitir afirmar que somos mais do que aquilo que nos acontece. Mais do que nunca, agora é o momento.

Deputada do PS

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