"Somos independentes há 100 anos mas temos 110 de democracia"
Destacando a sisu - a perseverança - como uma das principais características do povo finlandês, a embaixadora Tarja Laitiainen agradeceu a cooperação das entidades portuguesas nas celebrações, que incluirão uma cerimónia na Câmara Municipal de Lisboa e a iluminação da Torre de Belém com a bandeira finlandesa.
Primeiro a Finlândia fez parte da Suécia, depois foi um grão-ducado autónoma incorporado no império russo, essa influência russa ainda existe hoje no país?
Mesmo nos tempos russos, a influência era bastante limitada. Houve períodos em que o império czarista nos tentou impor algumas coisas. Mas não houve um impacto duradouro. Nunca fomos verdadeiramente ocupados, embora tivéssemos chegado a ter tropas russas na capital e noutras zonas. Mas não fomos transformados num país russo. Pode ver isso na língua, falávamos finlandês e a nossa administração interna era autónoma. No facto de os finlandeses serem maioritariamente protestantes, alguns católicos, enquanto os russos são ortodoxos. Na Finlândia estes são uma pequena minoria. Depois da independência, no último século durante a Guerra Fria, em termos oficiais sempre houve comunicação e boa, mas entre os povos não era assim tão fácil. Com o colapso da URSS a Rússia voltou a ser Rússia, as ligações entre as pessoas voltaram ao normal, embora ainda seja necessário visto, e agora há muito mais contactos entre os cidadãos.
E com a alemã, a II Guerra Mundial é um assunto ultrapassado?
Sim. A Finlândia esteve em guerra contra União Soviética [Guerra de Inverno 1939-1940 e Guerra da Continuação 1941-19449. Tivemos de escolher lados porque precisávamos de salvar o país. Foi um período excecional, quando os governantes finlandeses decidiram durante a Guerra da Continuação lutar em conjunto com os alemães contra a União Soviética. No fim da guerra os alemães abandonaram o país. Sempre tivemos boas relações com a Alemanha. Quando a Alemanha estava dividida em dois, tínhamos uma política de manter contacto com ambos os lados - como tínhamos sempre que se tratava de países divididos.
Em relação à Suécia, há uma grande afinidade, certo?
Completamente. Somos muito próximos. O sueco é a segunda língua oficial no nosso país. Apesar de só 6% da população falar sueco como língua materna temos municípios onde os suecos são a maioria e aí está tudo escrito primeiro em sueco e depois em finlandês.
A Finlândia foi pioneira em termos de direitos das mulheres ainda antes de ser independente...
Somos independentes há cem anos, o que para um português pode parecer pouco tempo. Mas na verdade temos 110 anos de democracia, de um Parlamento democrático de sufrágio universal - ou seja dez antes da independência. As mulheres podiam votar em homens, o que aconteceu mais cedo noutros países, mas podiam também ser candidatas a deputadas. O direito de voto total das mulheres foi concedido em 1906 e as primeiras deputadas no mundo foram as finlandesas, eleitas no ano seguinte.
Chegaram a ter ao mesmo tempo uma mulher presidente e uma primeira-ministra. Tiveram a primeira ministra da Defesa no mundo. Essa perspetiva feminina faz parte do sucesso da Finlândia?
É preciso recuar mais. Em finais do século XIX, as mulheres começaram a entrar em massa no mercado laboral e o sistema escolar estava organizado de forma a ser igual para todos. Na maioria dos países europeus havia a aristocracia, a burguesia rica, que estabeleciam o padrão. Nós não tivemos uma classe alta rica, que tivesse a ideia de que as mulheres deviam ficar em casa a tomar conta dos filhos. E que tivesse meios para o fazer. Nós não nos podíamos dar a esse luxo. Todos tinham de trabalhar. A importância das mulheres na Finlândia decorre da realidade económica. O feminismo chegou muito mais tarde. Ainda hoje a principal motivação para a igualdade na sociedade devia ser económica. Não podemos em nenhum país deixar metade da população fora do mercado de trabalho e da produtividade.
Os finlandeses orgulham-se muito do sisu, a perseverança. Foi essa característica que colocou a Finlândia no topo na saúde, educação, respeito pelas liberdades cívicas, etc?
O sisu é como a vossa saudade: não se pode traduzir. O que significa é que se houver uma dificuldade, não vamos esperar que desapareça, nem olhar para o lado. Para os finlandeses, se há um problema, temos de fazer alguma coisa para o resolver. Por exemplo, na II Guerra Mundial, ajuda a explicar porque ganhámos aos soviéticos que eram tão mais numerosos do que nós. Mas nós lutávamos pela nossa nação. Nunca desistimos. Até o problema estar resolvido.
Arquitetura, design, saunas, pai natal. A Finlândia tem muito soft power?
Arquitetura, design, Pai Natal, sauna e sisu. São coisas muito características e importantes para nós. Os finlandeses, tal como os portugueses, são um povo simpático e de confiança. Mas do que temos muito orgulho é se sermos de confiança. Se um finlandês disser que vai fazer uma coisa, ele vai cumprir aconteça o que acontecer. Se um estrangeiro se perder e precisar de ajuda, os finlandeses vão pegar-lhe no braço e guiá-lo. Isso também acontece aqui. Esperemos que assim continue. Mas não somos tão beijoqueiros como os portugueses. Os finlandeses têm tendência para manter o seu espaço. Para quem vem de fora isso pode ser visto como uma certa frieza, mas não é isso. Não é distância, é espaço.
Tiveram a cooperação do governo português nestas celebrações?
Temos tido uma excelente cooperação. A começar pelo presidente da república que gravou uma mensagem especial em vídeo que vai ser transmitida, para dar os parabéns à Finlândia no 6 de dezembro. O ministério da Cultura deu autorização para iluminarmos a Torre de Belém com as cores da bandeira finlandesa. Temos uma excelente cooperação com a Câmara de Lisboa que nos ofereceu os Paços do Concelho para realizarmos a cerimónia oficial. Houve uma muito boa cooperação a todos os níveis oficiais.