Sombra e luz de Juanito e de Sofi

O homem que mais sabe da "coisa real" em Espanha, seguramente, publicou há dias um polémico livro sobre o casamento real. O DN leu a obra, ainda sem edição portuguesa, e entrevistou o autor. Felipe "vulgarizou monarquia", critica Jaime Peñafiel.
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Houve a fase do conto de fadas, a fase de Deus com os Anjos, a de um ser a Sombra protectora dos outros. Durou anos, essa fase. Aquilo era um melaço pegado. Mas esses tempos já lá vão. Agora, sobeja ressentimento, amargura e algum desejo de ajuste de contas. Boas memórias, também. E tudo por causa dela! De quem? Por Díos! Letizia , claro! La Ortiz.


Quando a boda com o herdeiro da Coroa espanhola, Felipe , foi anunciada, o que devia o "Sombra" ter feito? Penitencia-se Jaime Peñafiel no livro Juan Carlos y Sofía - Retrato de un Matrimonio, publicado há dias em Espanha, pela editora La Esfera de los Libros, mas ainda sem edição portuguesa: "Arrepender-me-ei sempre de não ter escrito um artigo no El Mundo com o título 'Uma divorciada, filha de sindicalista e neta de taxista, futura rainha de Espanha."


Peñafiel, está bem de ver, é um monárquico dos sete costados, ainda que o desminta parcialmente, em entrevista ao DN: "Mais do que monárquico, sou, como a maioria dos espanhóis, juan-carlista." Se o é agora, após o que, eufemisticamente, denomina de "distanciamento por causa de um mal-entendido", imaginem o quanto terá sido durante a tal fase do conto de fadas, em que Juan Carlos era uma espécie de "Rei-Sol". Pois, por aí...


Jornalista e escritor, dos que mais sabem sobre a coisa real, eventualmente mais do que alguns príncipes, marqueses, baronesas e outras duquesas, está desiludido, sente um certo travo a traição. E isso percebe-se sobretudo nas últimas páginas do livro, as que são dedicadas à prole. Ao "drama". A Felipe , "arrogante e altaneiro", à infanta Elena, "a mais Borbón dos Borbóns". A Cristina, "a filha do meio". E ao genro Jaime Marichalar, uma "vítima da imprensa canalha".


A propósito de um casamento contra ventos e marés, este Retrato tem pormenores deliciosos. Por exemplo, ficamos a saber que o herdeiro da Coroa andava furioso com todos os namoros que lhe desmanchavam, Isabel Sartorious, Eva Sannun... Num dia do início de Outubro de 2003, caiu a bomba, por telefone. Felipe , que "vulgarizou a monarquia, nivelando-a por baixo", revelou aos pais que estava apaixonado. " É uma jornalista, é a miúda da televisão, dos noticiários." Do outro lado, um respiro de alívio. E logo: "Mas tem um problema... é divorciada." Resposta do Rei, aos gritos: "És um irresponsável!" "É o que há. Ou isto ou deixo tudo." Foi "isto", como se sabe.


Um verdadeiro "golpe de Estado".


Outro golpe irrecuperável foi a recente "interrupção temporária da convivência" entre a infanta Elena, a "preferida" de Sua Majestade, e o marido: "Lamento que tenhais sido vós, precisamente vós, quem tivésseis dado um argumento indiscutível e de muito peso para provar que nas monarquias também há divorciadas."


Vós, Elena, a primogénita, que em vez de ir morar sozinha, com os dois filhos, Fróilan e Victoria, para um bairro chique da capital, optou, oh horror dos horrores!, por alugar (!, uma exclamação desdenhosa) um apartamento numa zona da "classe média" madrilena, Fuente del Berro.


Para o "ex" de Elena, palavras de apoio. Elogiando "a tua timidez, os teus modos refinados, o teu requintamento rebuscado, um pouco antiquado", lamenta que, incompreensivelmente para os outros, sofra os efeitos do enfarte cerebral que o acometeu na tarde de 22 de Dezembro de 2001. "Deixaste de ser quem eras."


Os reis, esses, possuem muito mais que se lhes diga. Sofia, de 69 anos, tem-se visto grega para aguentar, com aquele sorriso sereno que se lhe conhece, as "escapadelas" de Juan Carlos, de 70 anos, que gosta mais de mulheres do que de rancheras mexicanas. E daí...


Já Sofia é mais pró-Bach.


Não esquecer: Peñafiel nunca, jamais, em tempo algum, foi desmentido pela Zarzuela. O que só por si dá a garantia de que o que lemos é verdade e não apenas, como se poderia pensar, alcovitice. Portanto, onde está escrito "50 anos a aturarem-se, Señor!" é mesmo assim. Palavras de uma pena fiel.


Nem tudo foram rosas, raramente o foram, aliás, entre Juanito e Sofi, que os menos íntimos conhecem pelos pomposos nomes de Juan Carlos de Borbón y Borbón, nascido a 5 de Janeiro de 1938, e Sofia Schleswig-Holstein Sonderburg-Glucksburg, a 2 de Novembro desse 1938. Estão casados há 45 anos, desde 14 de Maio de 1962, reinam há 32 (a partir de 22 de Novembro de 1975), têm três filhos: Elena, Cristina e Felipe , nascidos, respectivamente, a 20 de Dezembro de 1963; 13 de Junho de 1965; e 30 de Janeiro de 1968. Que, por sua vez, haveriam de casar com Jaime Marichalar (18 de Março de 1995), Iñaki Urdangarín (4 de Outubro de 1997) e Letizia Ortiz Rocasolano (22 de Maio de 2004). Têm oito netos, numa divisão equitativa: quatro meninas e quatro meninos. Elas por eles, eles por elas.


E que ninguém vá ao engano, à procura do que não há, sequer terá havido. Pelo menos, entre os dois. "Não é a história de um grande amor. Nem uma história de amor. Muito menos um casamento por razões de Estado" depois de se terem conhecido, sem sombra de flechazo, a 22 de Agosto de 1954 a bordo do Agamenón.


É a história de dois segundos amores. O primeiro de Juan Carlos (o olhar que lhe lança na foto em baixo diz tudo) fora a princesa italiana María Gabriela de Saboya, muito pouco do agrado do generalíssimo Franco, que lhe reprovava o "excesso de liberdade" e as "ideias demasiado modernas", como confessaria ao confidente, primo e chefe da Casa Militar, Francisco Franco Salgado-Araujo.


O primeiro amor de Sofia, aquele com o qual terá imaginado um futuro em comum, também era príncipe, Harald, da Noruega, zurzido forte e feio pelo autor por ter, de certa forma, alimentado as esperanças das jovens, escondendo, até poder, que, afinal, estava apaixonado por Sonia Haraldsen, aquela que, a prová-lo, acabaria mesmo por desposar. No que, elogia Peñafiel, terá constituído uma afirmação de personalidade, ao contrário do que se verificara com Juan II, homem feito debaixo da asa de um ditador, que lhe quebrava, num só gesto, a vontade e a coluna vertebral.


Estamos mesmo, mesmo, a findar o VIII de XLIII capítulos quando Jaime Peñafiel (nos) faz a pergunta sacramental: "Teriam Sofia e Juan Carlos sido mais felizes, se ela tivesse casado com Harald e ele com María Gabriela?"
Suspense. "Dona Sofia talvez. Don Juan Carlos, duvido."

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