Soluções sem magia
O desempenho económico de Portugal tem sido uma desilusão desde os primeiros anos do século. Após o último período de crescimento, entre 1995 e 2000, muito assente na dinâmica do crescimento do consumo privado e da expansão do crédito aos setores de bens não transacionáveis, a economia deixou de crescer e passou a divergir face à grande maioria das economias em estado de desenvolvimento semelhante. Com a memória curta que caracteriza os nossos decisores e a opinião publicada, as análises têm-se centrado nos custos económicos do ajustamento que se seguiu à assinatura do memorando de entendimento com os credores institucionais em maio de 2011. Porém, já na altura era evidente o principal obstáculo a um crescimento mais robusto: a endémica falta de capital, tanto nas empresas como, hoje também, no sistema financeiro, assim como o seu reverso, o excessivo endividamento.
Em Portugal, todas as classes de agentes mantêm elevadas responsabilidades perante terceiros, nomeadamente, e de modo consolidado, agentes externos. O forte endividamento do setor privado perante o exterior reflete o enorme endividamento das famílias, mas, igualmente, o fortíssimo endividamento das nossas empresas não financeiras. Este, por sua vez, resulta da baixa capitalização das mesmas, um problema endémico da nossa economia, muito acentuado nos anos anteriores a 2011 e, em particular, a 2008, dado o acesso quase irrestrito de muitas empresas a crédito bancário, a preços e em montantes dificilmente justificáveis se se usassem parâmetros razoáveis de avaliação de risco de crédito. Neste contexto, o crédito às empresas não financeiras atingiu mais de 210% do PIB, com cerca de metade atribuível a pequenas e médias empresas (PME). A despeito da importante "desalavancagem" dos últimos anos, nomeadamente em 2014, o problema persiste. Capitalistas endividados, um acesso muito limitado ao mercado de capitais (a capitalização do nosso mercado chegou a mínimos de 27% do PIB, contra valores modestos mas ainda assim de 40% em Espanha e 60% em França), e uma enorme insuficiência de venture capital ou mesmo de private equity funds e risk capital (totalizando ativos de menos de 1,5% do PIB) levaram as empresas portuguesas a níveis de recurso ao crédito bancário elevadíssimos por qualquer padrão, impedindo o seu crescimento ou mesmo, simplesmente, a sua sobrevivência nas condições adversas que encontraram com o aprofundar da crise. É um problema não resolvido, carecendo de soluções que tardam a aparecer, nomeadamente se não quisermos perder nos próximos anos um número significativo de empresas que, sendo economicamente viáveis, veem a sua atividade constrangida por importantes restrições financeiras (atualmente atenuadas pela anestesia decorrente da política monetária do BCE).
Parte do problema poderia ser resolvida se os bancos estivessem devidamente capitalizados ensaiando--se soluções várias como, por exemplo, de conversão de dívida em capital e, nos casos dos balanços mais saudáveis, um contributo maior para o crescimento. É hoje claro que a política gradualista que foi seguida pelas autoridades se tornou um importante constrangimento à economia. A sua solução, de facto, implica novo capital. Embora os políticos e muitos dos nossos empresários e ex-banqueiros gostem de se deixar iludir imaginando que se consegue fazer algo a partir do nada, a verdade é que esse tipo de ilusões acaba sempre mal. É por isso que o problema é urgente. Mas a solução não pode ser mais um passe de mágica como alguns parecem achar ter agora descoberto. Capitalizar bancos descapitalizados sem novos investidores privados e/ou recurso aos contribuintes não é possível. E aqui convém não esquecer que os bancos ainda terão de vir a pagar pelo menos parte do que parquearam fora do balanço quando tanta gente quis entrar em mais uma ilusão.
É por isso incontornável encontrar-se uma verdadeira solução. Até porque sem ela não haverá crescimento. O anterior governo não quis perceber. Este parece ter percebido. Só espero que não se deixe iludir com mais um "pacotinho de banha da cobra", criando meia dúzia de novos ricos em detrimento de uma solução perene para o sistema e para a economia nacional. A oportunidade de emendar a mão está aí. Esperemos que chegue.
Professor catedrático da Universidade Nova e gestor