Sogyal Lakar: o amigo de Dalai Lama suspeito de abusos
Dalai Lama recebeu quatro representantes de um grupo de pessoas que dizem ter sido vítimas de abusos sexuais, físicos e psicológicos de monges. Aconteceu no dia 14. Horas depois, o líder espiritual do Tibete admitia saber há muito de algumas situações. Dizia mesmo que os relatos que lhe chegaram não eram novos, alguns datavam de 1993, mas pediu às vítimas que denunciassem os agressores. E prometeu voltar a falar do assunto. Os budistas aguardam.
No seio do budismo quando se fala em abusos há um nome que surge de imediato, Sogyal Lakar, sobre o qual Dalai Lama terá dito no ano passado: "Meu grande amigo, mas agora ele está em desgraça." Para os budistas tal afirmação soou como a excomunhão deste monge, de quem ninguém sabe desde julho de 2017, quando ele próprio, e após ter sido revelada uma carta em que se denunciavam atos por ele cometidos, anunciou que iria aposentar-se. Pensa-se que terá partido em retiro.
Mesmo assim, alguns seguidores do budismo não aceitaram que a situação ficasse por aí. E quando souberam que o líder espiritual estaria na Europa, numa visita à Holanda, quiseram um encontro. "O que pretendemos é que ele seja claro sobre o facto de os líderes religiosos budistas tibetanos não estarem acima da lei", explicaram aos jornalistas. O líder aceitou o encontro e estiveram reunidos durante 20 minutos. E Dalai Lama tomou posição. Dois dias depois, numa entrevista à televisão pública NOS, assumia saber de situações praticadas em 1992 e 1993 em retiros com estudantes por toda a Europa e que chegou a discutir o assunto com líderes ocidentais budistas.
Sem nunca referir o nome de Sogyal Lakar, Dalai Lama admitiu saber das acusações ao mestre budista que se tornou um dos mais importantes professores na Europa, depois de ter criado, na década de 1970, a Rigpa, organização internacional de centros que oferecem "os ensinamentos de Buda de uma maneira autêntica e benéfica para as pessoas no mundo moderno".
Mas se era uma das figuras mais importantes no budismo a seguir a Lama, Sogyal era também considerado uma figura polémica, controversa, pelas suas atitudes. Alunos seus chegaram a verbalizar que o viam como "a personificação viva dos ensinamentos budistas de sabedoria e compaixão, mas um homem que ensina de uma maneira altamente não ortodoxa, conhecida como sabedoria louca."
São conhecidas algumas histórias deste monge rinpoché, autor de O Livro Tibetano de Vida e Morte, que vendeu mais de três milhões de exemplares em todo o mundo. Um estudante americano, veterano do Vietname, contou à revista do The Telegraph ter estado presente há uns anos num encontro com mais de mil estudantes no templo de Lerab Ling e ter observado a seguinte situação: "Sogyal estava no palco com a sua assistente, Ani Chokyi, uma freira dinamarquesa, de 70 anos. Andava de um lado para o outro e, de repente, atinge-a com um soco. Ele tinha esta conduta de violência. Na altura questionei aquilo. Ela começou a chorar e ele disse-lhe para sair. Depois, continuou a falar. O que é isto?!" O veterano recorda que Sogyal repetia frequentemente nas suas palestras aos alunos que deveriam ver "o mestre não como um ser humano, mas como o próprio Buda." Então, "o que pensar desta conduta violenta, até irracional?", questiona o americano.
Durante anos circularam rumores sobre o comportamento de Sogyal, que terá sido acusado nos anos de 1990 de abuso sexual, mas que o processo terá sido resolvido fora dos tribunais. Na altura, a sua posição como um dos principais professores budistas no Ocidente permaneceu intacta, até ao ano passado, altura em que oito estudantes, atuais e antigos, enviaram uma carta de 12 páginas a Sogyal e a divulgaram na internet. "Há muito tempo que há problemas com o seu comportamento. Tal não pode ser mais ignorado ou negado", conta a mesma reportagem da revista do The Telegraph.
Os estudantes fazem uma listagem de atos que afirmam ter sido cometidos por ele. Depois desta situação, Sogyal Lakar anunciou que iria aposentar-se como diretor espiritual da Rigpa, fazendo alusão à turbulência que estava a viver causada por tais denúncias. Na altura, não houve reconhecimento de abusos nem expressão de pedido de desculpas ou de arrependimento. Mas a última aparição pública de Sogyal terá sido a 30 de julho de 2017, na Tailândia, no Sétimo Simpósio Mundial da Juventude Budista. Depois, deste dia, não há qualquer notícia sobre si. Budistas acreditam que estará em retiro. No discurso, não mencionou o escândalo em que estava envolvido, mas terá afirmado mais ao menos isto: "Se a sua mente está livre, não importa em que crise você esteja, porque não será perturbado. Mas quando as dificuldades surgirem, você poderá transformá-las em vantagem própria."
Na altura, veio a saber-se ainda que os rumores sobre Sogyal foram investigados pela própria Rigpa. Houve situações que não foram confirmadas, outras que foram, mas tudo parece ter permanecido intacto. Seguidores do budismo aguardam esclarecimentos sobre a situação. O DN contactou neste domingo a União de Budistas Portuguesa para o contacto oficial para saber se quereria comentar a situação, mas não houve resposta.