Sociedade
Queda da ponte de Entre-os-Rios
Às nove da noite de 4 de Março de 2001, a tragédia abatia-se sobre Castelo de Paiva. Os pilares da Ponte Hintze Ribeiro cederam à força das águas, provocando a derrocada do tabuleiro e precipitando para a morte 59 pessoas, ocupantes do autocarro e dos três automóveis que naquele momento a atravessavam. O país ficou consternado e durante dias o caso abriu telejornais e fez primeiras páginas de jornais. À primeira preocupação, que foi o resgate dos corpos (apenas 36 foram recuperados). sucedeu-se o atribuir de responsabilidades, que culminou com a demissão do até então «superministro» Jorge Coelho, que tinha a pasta do Equipamento Social e a tutela das obras públicas. Nunca tantas pontes foram inspeccionadas em tão pouco tempo como nos meses após a tragédia. Um ano depois foi erigido um monumento às vítimas; em 2006, os seis engenheiros acusados pelo ministério público de não terem feito o que estava ao seu alcance para evitar o colapso da ponte foram absolvidos; em 2008, as famílias das vítimas, apesar de inconformadas por não terem sido apuradas responsabilidades, decidiram não avançar com um pedido de indemnização ao Estado.
2001, odisseia no espaço
A conquista do espaço começou nos anos sessenta do século XX, revelando-se o resultado mais positivo da guerra fria. Depois do soviético Iuri Gagarin ter realizado o primeiro voo orbital em 1961, o norte-americano Neil Armstrong seria o primeiro homem a pisar a Lua, em 1969. Em 2001, a odisseia no espaço deixou de ser ficção científica e o multimilionário norte-americano Dennis Tito tornava-se o primeiro turista espacial, a bordo de uma nave russa - a Soyuz. A proeza custou-lhe vinte milhões de dólares, o mesmo valor pago pelo canadiano Guy Laliberté, fundador do Cirque du Soleil, que foi o sétimo e mais recente turista espacial. Narizes de palhaço não faltaram à tripulação da Space Adventures, a única empresa que, no presente, realiza viagens turísticas ao espaço. Um «monopólio» prestes a terminar, já que são vários os que se perfilam para entrar neste mercado. Richard Branson e a sua Virgin Galactic já têm 340 viagens vendidas (por cerca de duzentos mil euros) e este ano fizeram os primeiros testes no deserto de Mojave, na Califórnia, prometendo começar a operar já em 2011. Entre os seus clientes está o empresário português Mário Ferreira.
O escândalo da década
O caso Casa Pia atravessou a primeira década do século XXI e deixou marcas profundas na sociedade portuguesa. Em finais de 2002, Portugal descobria a existência de uma espécie de rede de prostituição infantil e juvenil na Casa Pia, «gerida» pelo motorista da instituição, Carlos Silvino, também conhecido por Bibi, na qual estariam envolvidas personalidades influentes da vida pública nacional. As vítimas eram centenas de jovens a quem a Casa Pia falhou na missão de educar e proteger. As primeiras «baixas» após a revelação do escândalo foram Carlos Silvino, detido e constituído arguido, e o provedor Luís Rebelo, demitido do cargo e substituído por Catalina Pestana. No início de 2003, o apresentador de televisão Carlos Cruz, o médico Ferreira Diniz e o advogado Hugo Marçal, que tinha assumido a defesa de Carlos Silvino, são também detidos e constituídos arguidos. Os dois primeiros ficam em prisão preventiva, o último sai sob caução. Gertrudes Nunes, dona de uma casa em Elvas onde terão ocorrido abusos, Manuel Abrantes, ex-provedor adjunto da Casa Pia, o embaixador Jorge Ritto e Paulo Pedroso, ex-ministro socialista, foram os arguidos que se seguiram, tendo todos eles, à excepção de Gertrudes, ficado em prisão preventiva. Um dos momentos mais polémicos terá sido aquele em que o juiz Rui Teixeira se dirigiu à Assembleia da República, secundado por algumas câmaras de televisão, para pedir o levantamento da imunidade parlamentar do então deputado Paulo Pedroso e detê-lo. O caso não saiu das páginas dos jornais e dos ecrãs de televisão durante todo o ano de 2003. Todos os dias novos nomes vinham a lume como alegadamente implicados no caso, mas no fim do ano, concluída a fase de inquérito, foi deduzida acusação, pelo Ministério Público, contra apenas dez dos 13 arguidos, e em Maio do ano seguinte o despacho de pronúncia já só incluía sete: Carlos Silvino, Carlos Cruz, Jorge Ritto, Ferreira Diniz, Manuel Abrantes, Hugo Marçal e Gertrudes Nunes. Paulo Pedroso, o humorista Herman José e arqueólogo Francisco Alves não chegavam a julgamento. Um julgamento que começou em 25 de Novembro de 2004 e durou quase seis anos, durante os quais, em quatro tribunais diferentes, foram ouvidas 981 pessoas, em 460 sessões muito pouco pacíficas que culminaram com a leitura (adiada por duas vezes) de um acórdão com mais de duas mil páginas, no dia 3 de Setembro de 2010, com a condenação de Carlos Silvino a 18 anos de prisão efectiva, sete anos para Carlos Cruz e Ferreira Diniz, seis anos e oito meses para Jorge Ritto, seis anos e dois meses para Hugo Marçal e cinco anos e nove meses para Manuel Abrantes. Gertrudes Nunes foi absolvida.
O sexo dos anjos
No ano de 2001 da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, cinquanta anos de abusos sexuais a crianças e adolescentes por padres católicos começaram a ser revelados um pouco por todo o mundo, mas sobretudo nos Estados Unidos da América e na Irlanda, onde a prática era comum e encoberta pela hierarquia da Igreja, que quando os indícios se tornavam por demais evidentes se limitava a mudar os prevaricadores de paróquia. As últimas informações oficiais apontavam para três acusações contra padres tratadas pela justiça do Vaticano entre 2001 e 2010. O escândalo levou a que o papa Bento XVI - que, quando era apenas cardeal Joseph Ratzinger e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, terá escrito uma carta a todos os bispos católicos ordenando que mantivessem as investigações de abusos sexuais sobre menores no segredo da Santa Madre Igreja - viesse publicamente condenar a prática de pedofilia e manifestar a vergonha da Igreja Católica pelos crimes de abuso sexual sobre menores cometidos no seu seio, pedindo desculpa às vítimas e vaticinando que os culpados devem responder perante Deus e os tribunais.
Operação corrupção
A corrupção não é um fenómeno novo na história da humanidade, em geral, nem de Portugal, em particular. Já Eça e Ortigão vociferavam contra a dita nas suas célebres Farpas. Mas a última década foi devastadora nesta matéria no nosso país, com casos de corrupção, abuso de poder, tráfico de influências, peculato, administração danosa, favorecimento, fraude fiscal e por aí fora a chegarem em contínuo à praça pública. O que explicará o facto de Portugal surgir este ano na 32.ª posição, quanto à percepção da corrupção, no quadro dos 178 países analisados pela Transparência Internacional, ocupando um dos piores lugares do ranking entre os países da Europa Ocidental. Alguns dos processos que fizeram manchetes esta década, muitos ainda por resolver, e que envolvem políticos, homens do futebol e empresários, são: o caso da mala, o caso Portucale e o da venda dos submarinos, o caso Gebalis, o Freeport, Operação Furacão, Apito Dourado, Somague, o caso Bragaparques e, mais recentemente, os casos do BCP, BPN e Face Oculta. Pelo caminho ficou um pacote legislativo anticorrupção, apresentado em 2005 pelo então deputado socialista João Cravinho, que foi rejeitado pelo PS, que só três anos depois logrou aprovar um pacote alternativo, publicamente criticado por Cravinho. Em Julho deste ano, novo pacote anticorrupção foi aprovado. Será desta?
Despenalização da interrupção voluntária da gravidez
Depois de décadas de luta e de um referendo em 1998 que disse não por uma margem muito curta, em 11 de Fevereiro de 2007 um novo referendo levou o sim à vitória e a 8 de Março do mesmo ano foi aprovada no Parlamento a lei que permite às mulheres interromperem voluntariamente a gravidez, a seu pedido, até às dez semanas de gestação.
Casamento para tod@s
Considerados criminosos até 1992, em Portugal, os homossexuais começaram finalmente a ver reconhecidos os seus direitos nesta década. Em 2001, foram legalizadas as uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo, mas a luta pela igualdade continuou e este ano conheceu nova vitória: o direito ao casamento civil. De fora ficou a possibilidade de os casais homossexuais adoptarem crianças. No resto do mundo, também foi só no início do século XXI que os preconceitos começaram a ser quebrados: o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado na Holanda, em 2001, na Bélgica, em 2003, em Espanha e no Canadá, em 2005, em cinco estados dos EUA, entre 2005 e 2009, na África do Sul, em 2006, na Noruega e Suécia, em 2009, e na Islândia e Argentina, em 2010.
Desaparecimento de Maddie
Na noite de 3 de Maio de 2007, Madeleine McCann desaparece do quarto onde dormia com os irmãos, enquanto os pais, os médicos Kate e Gerry, jantavam, a cinquenta metros, no restaurante do complexo turístico Ocean Club, na Praia da Luz, no Algarve. O alerta terá sido dado quase simultaneamente às autoridades portuguesas e à comunicação social britânica, num caso que correu mundo e se tornou o mais mediático de sempre no que a crianças desaparecidas diz respeito. Rejeitada a hipótese de Maddie ter saído de casa pelos próprios meios, a investigação centrou-se na possibilidade de a criança ter sido raptada. O mundo todo centrou atenções na Praia da Luz, com jornalistas estrangeiros e portugueses a acorrerem ao local, numa verdadeira orgia noticiosa, que avançava todos os dias com novas teorias e novos culpados. Foram oferecidas recompensas milionárias, os pais criaram um fundo de ajuda, o papa Bento XVI e Oprah Winfrey receberam o casal McCann, o primeiro-ministro Tony Blair empenhou-se pessoalmente no caso. Entretanto, Gonçalo Amaral, que liderava a investigação da Polícia Judiciária, apontou baterias contra os pais, defendendo a tese de que a criança tinha morrido acidentalmente e que estes simularam o rapto como manobra de diversão. Afastado da investigação, pediu a reforma e escreveu o livro Maddie - A Verdade da Mentira, cuja venda foi proibida na sequência de uma acção judicial interposta pelos McCann. O caso, arquivado em 2008, continua por resolver.
Aparecimento de Natascha Kampush
Raptada em 1998, quando tinha 10 anos, por Wolfgang Priklopil, que a manteve presa numa cave durante oito anos, a austríaca Natascha Kampusch conseguiu escapar ao cativeiro em Agosto de 2006, aproveitando uma distracção do raptor, um engenheiro de 44 anos, que se suicidou no mesmo dia. Mais um caso que nesta década fascinou a opinião pública mundial. Hoje com 22 anos, Natascha, que chorou quando soube da morte de Priklopil, vive reclusa por vontade própria na sua casa em Viena, tendo recentemente publicado o livro 3096 dias, uma autobiografia dos oito anos que passou em cativeiro.
O caso Josef Fritzl e sucedâneos
Também da Áustria, em 2008, chegou uma notícia que chocou o mundo. Um homem mantinha, há 24 anos, presa numa cave a sua própria filha, coagindo-a a ter relações sexuais com ele. Dessas violações consecutivas nasceram sete filhos, um deles morto, que Fritzl incinerou. Elizabeth, a filha, vivia com três dos seus filhos-irmãos (os outros tinham sido adoptados por Josef e a mulher, que nada sabia e pensava que Elizabeth tinha fugido com uma seita religiosa) no anexo minúsculo, sem luz natural e com uma porta de trezentos quilos e um sistema de segurança complexo a separá-los do mundo exterior. Josef Fritzl, também conhecido como o «monstro de Amstetten», foi preso, julgado e condenado a prisão perpétua. Depois dele, outros casos semelhantes, em Itália, no Reino Unido, em França, na Polónia, no Brasil, na Colômbia ou na Argentina, conheceram a luz do dia. Os monstros existem e pertencem todos à espécie humana.
Uma década contrafeita
A contrafacção não é uma invenção da primeira década do século XXI, mas a globalização, as novas tecnologias e a emergência de gigantes como a China e a Índia, onde este «negócio» floresce, deram-lhe novas dimensões, tornando-a um fenómeno de escala mundial. Segundo dados da Comissão Europeia, esta actividade ilícita representa cinco a sete por cento das trocas mundiais, conduz a uma perda de duzentos mil postos de trabalho por ano e implica para as empresas europeias prejuízos na ordem dos quatrocentos a oitocentos milhões de euros no mercado interno e cerca de dois mil milhões de euros fora da União. Abrangendo hoje todo o tipo de bens, desde os têxteis à indústria automóvel e farmacêutica, passando ainda pelos produtos alimentares, a par dos cigarros, dos CD/DVD, do vestuário e dos jogos ou outros aparelhos de entretenimento, os prejuízos da contrafacção não se limitam à economia. Está também em causa a saúde pública e a segurança dos consumidores, sobretudo se tivermos em conta que a contrafacção tem vindo a aumentar no sector dos medicamentos, vendidos ilegalmente pela internet, dos alimentos, cujo caso mais mediático, porque provocou a morte de bebés, foi o do leite em pó com melanina produzido na China, mas também dos brinquedos, das peças de automóveis, dos produtos de uso pessoal ou dos aparelhos electrónicos e de utilização doméstica. Para combater o fenómeno no país, o governo criou este ano o Grupo Anticontrafacção.
Portugal - partidas e chegadas
Num país de emigrantes, como foi o Portugal do século XX, a primeira década do novo século introduziu algumas novidades nesta matéria. Por um lado, os que decidem partir e encontrar melhores condições de trabalho no estrangeiro já não são os da mala de cartão, mas sim os jovens quadros técnicos e superiores. Não espanta, já que o país evoluiu em termos de qualificação, havendo hoje muito mais licenciados, mas não tem um mercado de trabalho que os absorva condignamente. Por outro lado, de país de partida, Portugal tem-se afirmado, nos últimos anos, também como país de chegada. Após a vaga de imigrantes dos países africanos de expressão portuguesa, muitos deles cidadãos nacionais, que caracterizou as décadas de oitenta e noventa do século passado, entre 2001 e 2010 a população imigrante oriunda sobretudo dos países do Leste da Europa e do Brasil tem vindo a crescer, situando-se hoje perto do meio milhão de pessoas.
A década em que o humor mudou de mãos
Com toda a injustiça que isso acarreta para todos os que tornaram a vida dos portugueses mais bem humorada no século XX, como o Raul Solnado, o Nicolau Breyner, a Ana Bola, a Maria Rueff e tantos outros, a verdade é que durante anos, quase trinta, só um homem fez rir Portugal: Herman José. Um monopólio que acabou no início do século XXI, com a chegada às luzes da ribalta de muitos dos que estavam por detrás do seu sucesso. Das Produções Fictícias aos quatro Gato Fedorento - Ricardo Araújo Pereira, José Diogo Quintela, Tiago Dores e Miguel Góis -, passando pelos muitos nomes (assim de repente, Bruno Nogueira afigura-se o mais evidente) que se afirmaram no Levanta-te e Ri, um programa que trouxe, embora de forma desequilibrada, a stand-up comedy para o nosso país, Portugal ganhou diversidade no humor. E, sobretudo, aprendeu a rir de si próprio.