Socialistas e centristas bebem sumo de laranja na Figueira da Foz
Sopa de legumes, carne à portuguesa, fruta variada, bolo "tipo casamento" e café, na mesa socialista. Melão e presunto, salgadinhos, massada de marisco, ananás, pastéis de Tentúgal, café e wisky, no repasto democrata cristão.
Iguais, mas diferentes, as bebidas água mineral natural, branco e tinto correntes da Bairrada e "refrigerante de extractos de laranja", no almoço rosa; água, branco e tinto alentejanos (Arraiolos e 'Monte do Pintor', 2001) e "sumo de laranja sem gás", no jantar do CDS/PP. Comum aos dois, ainda, a cidade - o PS na direita do Mondego, no pavilhão do "Caras Direitas", em Buarcos, os centristas na esquerda, num salão de exposições da Zona Industrial de Lavos.
Os líderes de um e outro partido passam o sábado em Coimbra, mas para comerem à terra que Santana conquistou em 1997. Durante a manhã, no entanto, as máquinas partidárias regionais invadem o mercado da Figueira. PS, PSD e CDU cruzam-se com cumprimentos de circunstância, mas algumas peixeiras socialistas e sociais-democratas trocam palavras pouco simpáticas. O Bloco de Esquerda chega mais tarde, no rescaldo. O CDS "falta" ao encontro.
Sócrates chega a Buarcos 25 minutos depois da hora prevista, fala quatro minutos aos 1.100 comensais e a mais meio milhar de pessoas, sobretudo 'jotas', que não cabem nas mesas, mas disparam, das bancadas, ensurdecedoras palavras de ordem, gritos, aplausos, assobios, buzinas - "a alma socialista está em Buarcos", conclui o speaker de serviço. E quando estas almas descansam, Celeste Ruça (a mais mediática das peixeiras locais) levanta-se, corre entre as mesas, agita uma bandeira e grita, a plenos pulmões, pelo PS e por José Sócrates, com o mesmo fulgor com que apoiou Santana Lopes na corrida para a Câmara da sua terra.
Marcado para as 20 e 30, o jantar centrista termina depois da meia noite. Nobre Guedes, cabeça- -de-lista pelo distrito, entra na sala uma hora depois, Portas só se mostra às 23 e 45, quando sobe ao palanque para um discurso de meia hora - "já é tarde e vão-me habituando a falar menos tempo".
Meia hora chega, contudo, para elogiar o ministro do Ambiente, falar da co-incineração, da família, do perigo que seria o Bloco chegar a terceiro partido. A sala explode numa vaia, mas o ministro da Defesa controla, de imediato, o teatro de operações "só precisamos de dar vivas aos nossos valores".
A postura regressa à sala, as sete/oito centenas de apoiantes voltam a ouvir, serenas, o líder. Mas Linhares Furtado, o cirurgião que preside à Comissão de Honra distrital, já não está, não ouve os elogios que Portas lhe faz. O pioneiro dos transplantes hepáticos em Portugal, uma hora antes, na sua intervenção, pedira perdão por sair mais cedo, mas era "muito tarde".
A duração de uma e outra refeição, os guardanapos de pano e papel, o serviço, o ambiente tranquilo ou excitado, a ordem e compostura à mesa, a ementa, os discursos, quase tudo faz a diferença.
O almoço do Partido Socialista e o jantar muito mais centrista que popular, reflectem-se, afinal, nos sumos de laranja servidos. Um com extractos da fruta, outro sem gás.
Mas tanto Sócrates como Portas estão felizes, deixam a Figueira satisfeitos, afirmam-se optimistas, garantem que jamais esquecerão este sábado na cidade que hoje Santana - na expectativa, seguramente, que aqui lhe seja servido sumo com o gás de outros tempos.