Sobre afirmações recentes do ministro do Ambiente: a hostilização de uma fileira florestal

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Nos últimos dias, o ministro do Ambiente e Ação Climática, João Matos Fernandes, tem sido autor de algumas afirmações relativas à floresta portuguesa. São afirmações graves, que não correspondem à verdade e que, por isso mesmo, correm o risco de manchar a reputação de toda uma fileira de base industrial que, apesar de todos os problemas que possam existir para resolver, devia orgulhar o nosso País e, em particular, o Governo de Portugal.

No dia 22 de novembro, numa intervenção em sessão sobre PRGP"s (Programas de Reordenamento e Gestão da Paisagem) para a região Centro, o senhor Ministro referiu-se àqueles que, no "Governo anterior ao nosso", ao liberalizarem a plantação de eucaliptos em Portugal, "pintaram o nosso país num linóleo de eucaliptos". De seguida, deixou subentender uma relação causal entre aquilo a que chama de "liberalização da plantação de eucaliptos", a paisagem em 2017 e os fatídicos incêndios desse ano.

Sobre estas afirmações gostaríamos de deixar as seguintes notas, para cabal esclarecimento dos interessados:

- Em primeiro lugar, e como resulta claro para quem ler, sem preconceitos, a versão da referida legislação aprovada em julho de 2013 (que instituiu o Regime Jurídico de Ações de Arborização e Rearborização), a plantação de eucaliptos não foi liberalizada. Esta, tal como a plantação de qualquer outra espécie florestal, apenas se passou a reger por regras mais claras e mais responsabilizadoras, quer dos privados quer do próprio Estado. Para além disso veio instituir um sistema de registo obrigatório destas ações e, para a maioria esmagadora das situações, instituiu igualmente a necessidade de emissão de uma licença de plantação por parte do Estado. Em nenhuma situação - repito, em nenhuma situação - as condicionantes à plantação de eucaliptos foram alteradas e, pela primeira vez, o Estado passou a poder contar com um mecanismo de monitorização daquilo que se passava no território.

- Em segundo lugar, e como resultou muito claro do Relatório da Comissão de Inquérito aos fatídicos incêndios de 2017, as suas causas estiveram muito longe de se centrar nas espécies florestais presentes no território. Fazer crer o contrário em nada ajuda a evitar que acontecimentos idênticos se repitam. Mais: o "linóleo" referido pelo senhor Ministro como retrato da ocupação do território em 2017, em nada pode associar-se à legislação em causa. De facto, quaisquer ações de arborização ou rearborização com utilização de eucaliptos que, nas regiões alvo de incêndio tenham ocorrido entre o Outono de 2013 e a Primavera de 2017, estavam num estado vegetativo suficientemente jovem para configurarem descontinuidades na paisagem. É, pois, pouco sensato estabelecer relações entre os incêndios de 2017 e a legislação do RJAAR aprovada em 2013.

- Em terceiro lugar, quem anda pelo território da região Centro, nomeadamente nas zonas que arderam em 2017, sabe bem que, com exceção das intervenções de estabilização e posterior rearborização promovidas pela CELPA (em áreas de pequenos proprietários privados) e pelas indústrias suas associadas, nada mais aconteceu nos referidos territórios. Isto significa que, tirando essas áreas que foram intervencionadas, a perigosidade em matéria de incêndios é hoje mais elevada do que era em 2017. Este agravamento da situação no terreno está claramente relacionado com a ausência de políticas públicas ativas dirigidas para a intervenção nestas áreas e para o fomento de práticas de gestão florestal mais ativas e sustentáveis. Pelo contrário, assiste-se a uma reiterada diabolização da floresta de pinheiro-bravo e de eucalipto, o que aumenta a pressão para o abandono das áreas em causa.

Depois das afirmações atrás referidas, no dia 24 de novembro, o senhor Ministro (tal como o senhor Secretário de Estado das Florestas, João Catarino) foi ouvido no Parlamento a propósito do teor de uma Portaria que, em cumprimento da Lei, redefinia as áreas máximas de eucalipto em cada Concelho. Nesta audição parlamentar, o senhor Ministro referiu que nela "...foi previsto um mecanismo de relocalização de quase 35 mil hectares de eucalipto, permitindo a sua transferência de zonas ecologicamente sensíveis para outras mais adequadas..." com redução de área. Sobre esta afirmação é importante ter em conta o seguinte:

- o mecanismo referido pelo senhor ministro está de facto previsto na legislação que alterou o RJAAR (primeiro em 2017 e depois em 2019);

- de acordo coma legislação que o prevê, tal mecanismo de "troca" (que permitiria a relocalização de áreas de eucalipto) deveria ser regulamentado pelo Governo em Portaria a aprovar para o efeito;

- infelizmente, e até hoje, tal regulamentação ainda não ocorreu, pelo que o mecanismo não pode ser utilizado;

- ao contrário do que referiu o senho Ministro, na versão da Portaria que circulou entre as partes interessadas para recolha de cometários e contributos, a Portaria em causa nada continha sobre a regulamentação de tal mecanismo;

- desta forma, as restrições à (re)arborização com recurso a eucalipto, têm conduzido a uma absoluta paralisia quanto à relocalização de áreas desta espécie para zonas de maior aptidão, promovendo a redução do potencial de produtividade dos povoamentos existentes e o crescente abandono da floresta.

Sobre os assuntos referidos, bem como sobre todos os outros que estejam relacionados com a nossa Floresta, a CELPA e as empresas suas associadas reiteram a sua absoluta disponibilidade para colaborar com o Estado e com o Governo, em particular com o senhor Ministro do Ambiente e com as instituições por si tuteladas, para encontrar soluções que, no terreno, melhorem a sua resiliência, a sua sustentabilidade ambiental e a sua produtividade económica. Não acreditamos que a hostilização sistemática de uma fileira florestal possa ser a solução para qualquer problema da Floresta do nosso país.

Diretor Geral da CELPA - Associação da Indústria Papeleira

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