Soares e D. António encontros discretos

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Durante o Verão Quente, os contactos entre D. António Ribeiro e Mário Soares multiplicaram-se. "Tive contactos mais estreitos com a hierarquia através de Maria de Lourdes Pintasilgo, católica praticante que, por mais do que uma vez, me pôs em contacto com o senhor cardeal, através de entrevistas totalmente confidenciais", relata o antigo líder do PS em entrevista a Maria João Avillez em "Soares, Ditadura e Revolução" (Público, 1996). Desde o eclodir do 25 de Abril que Mário Soares se preocupou em impedir que houvesse uma cisão entre o Estado e a Igreja semelhante à que ocorreu na I República.

Os encontros decorreram normalmente num lar de religiosas situado perto do Largo das Duas Igrejas, no Chiado, em pleno centro de Lisboa. Mário Soares aparecia sozinho, quase sempre. Batia à porta - as religiosas já o esperavam, D. António aguardava lá dentro a sua chegada. Depois conversavam sobre a situação política, sobre o País "Eu pedia-lhe apoio, pedia-lhe que, através das diversas organizações religiosas, das missas, dos sermões, dos padres, a Igreja apelasse a que as pessoas estivessem presentes nas nossas manifestações", conta Soares. "Tratou-se de um apoio vital. Por si só, os socialistas jamais poderiam ter tido centenas de milhares de pessoas mobilizadas nas ruas..."

Esta aliança, que contou com o beneplácito do Vaticano, teve uma enorme importância estratégica para o PS - e não só por lhe diversificar a base social de apoio o papel de interlocutor privilegiado da Igreja reiterava-lhe também a liderança, atribuída pelo voto para a Constituinte, de toda a frente partidária que se opunha ao domínio do aparelho do Estado pelo PCP e pelos projectos de "poder popular".

Segundo Paula Borges dos Santos, na tese A Igreja e o 25 de Abril, "a preferência do Episcopado por uma ligação ao PS, e não ao PPD e ao CDS, pode ser explicada pela convicção de que a acção destes partidos, naquela conjuntura, tinha uma eficácia diminuída". O PPD vivia mergulhado numa agitação interna permanente, com Sá Carneiro ausente do país por razões de saúde e uma liderança precária entregue a Emídio Guerreiro. Quanto ao CDS, "para além de pequeno e de não estar no Governo, tinha uma forte conotação de direita à qual a hierarquia da Igreja não queria, de todo, estar associada". Desta forma, e usando as palavras de Mário Soares, "o PS transformou-se, de repente, no chapéu-de- -chuva do país moderado".

Mas nem toda a acção da Igreja foi, durante o Verão Quente, moderada. A influência do clero na Diocese de Braga nos assaltos à sedes dos partidos de esquerda, nos atentados bombistas e em algumas acções armadas é uma nublosa de contornos mal definidos. Mário Soares, o aliado desses tempos, sempre desdramatizou a questão "Uma coisa foi a posição da Igreja, outra a do MDLP, do general Spínola e das forças pró-spinolistas sopradas do estrangeiro: quanto mais se agitaram, mais força deram aos nossos adversários..."

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