Só teremos presidentes marca Feno de Portugal?

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A frase deu escândalo em 1997. Dita por Emídio Rangel, na liderança editorial da SIC para um documentário de Mariana Otero, era assim: "Uma estação que tem 50% de share vende tudo, até o Presidente da República! Vende aos bocados: um bocado de Presidente da República para aqui, outro bocado para acoli, outro bocado para acolá, vende tudo! Vende sabonetes!"

Marcelo Rebelo de Sousa, se confirmar o favoritismo das sondagens, será o primeiro Presidente da República vendido nas televisões: um bocado para aqui, outro bocado para acolá, durante anos, em tom suave, como um sabonete.

Depois de um "estágio" nos anos 90 a comentar, sem contraditório, na TSF, as "notas" do professor foram interrompidas para ele liderar o PSD. Falhada a experiência, Marcelo voltou a poder fazer campanha na TV desde que, no ano 2000, José Eduardo Moniz, na TVI, cedeu ao político em banho-maria longos minutos de comentários a solo que se prolongaram, com passagem intermédia na RTP, até à atual candidatura a Presidente da República.

Quase 20 anos depois a profecia de Emídio Rangel, se o eleitorado confirmar as sondagens, já não escandaliza e concretiza-se: tal como o sabonete Feno de Portugal, Marcelo está há décadas a entrar-nos pela casa em permanente publicidade. Não sendo, ambos, nem muito bons nem muito maus, acabam por ser a escolha de muitos.

Marcelo tem um grande mérito: sabe conquistar audiências onde muitos outros afastam espectadores. Por outro lado, políticos que, como ele, têm palco mediático há dezenas de anos provavelmente nem ganhariam eleições para a junta de freguesia onde moram. Pacheco Pereira? Lobo Xavier? António Vitorino? Morais Sarmento?... Não me parece.

Em contrapartida, António Costa, que passou umas temporadas num programa da TV por cabo, com muito menos impacto que as generalistas, já está primeiro-ministro, embora sem ganhar as eleições. E, já antes, José Sócrates e Santana Lopes beneficiaram claramente da passagem constante pelos canais televisivos.

As redes sociais, até agora, serviram para eleger um Marinho e Pinto para o Parlamento Europeu e um deputado do PAN em São Bento, preenchendo a lacuna criada pela relativa indiferença da comunicação social tradicional. Mas as redes sociais não têm, para já, a capacidade de mobilizar sozinhas 50% do eleitorado para votar num candidato à Presidência da República. Isso só a televisão ainda consegue.

As perguntas que me vêm à cabeça são estas: Marques Mendes já está a vender-se como um sabonete? E Portas, vai fazer o mesmo? E as televisões, plácidas, continuarão a vender presidentes como quem vende sabonetes?... E acham bem?!

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