Só saber ao quarto mês que se está grávida pode trazer riscos
É possível uma mulher chegar a um nível adiantado da gestação sem saber que está grávida? A surpresa chegou do outro lado do Atlântico, com uma atleta a dar à luz em pleno treino, já com seis meses de gestação, sem o saber (ver texto ao lado). "São casos cada vez mais raros", por causa da vulgarização da ecografia e de as mulheres estarem hoje mais bem informadas, garantem os médicos. Mas vão aparecendo "uma ou duas dezenas por ano" em Portugal, sobretudo em atletas, como Elizabeth Poblete, e em mulheres obesas, devido à menstruação desregulada e à massa gorda ou ao porte atlético que esconde a barriga.
Andreia Cantanhede, de 25 anos, só descobriu que estava grávida na 17.ª semana, já a entrar no quinto mês de gestação. Os quilinhos a mais também poderão ter ajudado a não suspeitar do seu estado, mas o factor principal foi a ausência de menstruação há quase um ano. "Em Outubro de 2008, os ciclos menstruais pararam e só em Março deste ano me diagnosticaram ovários poliquísticos", conta Andreia, acrescentando: "Tinha os ovários muito inchados, não faziam ovulação e, como tal, garantiram-me que não podia engravidar."
Deixou de usar métodos contraceptivos e a verdade é que ficou grávida logo a seguir. "Comecei por achar estranho o encaroçamento mamário e fui ao médico. Apanhei um choque quando, em Agosto, descobri que já estava de pelo menos quatro meses", conta Andreia, que foi classificada como grávida de alto risco. "Fiquei supernervosa e acho que foi por isso que a placenta desceu. Comecei a ter muitas hemorragias e não podia fazer esforços."
Afinal, Andreia tinha passado os últimos cinco meses a tomar medicamentos fortíssimos para emagrecer. "Segundo o médico, ou emagrecia para tentar reverter a ausência de menstruação ou teria de ser operada. Quando descobri que estava grávida já tinha perdido 22 quilos e estava a dieta de saladas e frutas."
O feto não recebeu vigilância adequada, nem tão-pouco os nutrientes necessários a um desenvolvimento saudável. "Estava em pânico, porque podia ter colocado o crescimento do meu bebé em causa ou potenciado algum tipo de má formação", lembra a agente de crédito. A ecografia revelou que estava tudo bem, e Andreia está prestes a dar à luz uma menina.
"Só se consegue medir com clareza o tempo de gravidez até ao final do primeiro semestre; até aí todos os fetos medem o mesmo. Depois começam a existir diferenças mais marcantes", indica Nuno Montenegro, director do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de São João. Segundo o médico, detectar uma gravidez depois do quarto mês pode trazer uma série de incoerências e alguns riscos, dado que passa a ser difícil definir a data de fecundação, além de exames e rastreios bioquímicos que ficaram por fazer. "Podem deduzir-se estratégias médicas falhadas em datas que podem revelar-se as menos adequadas; pedem-se exames em épocas diferentes e podem mesmo tirar-se conclusões erradas em relação ao desenvolvimento do feto", sublinha.
Pior é quando a mulher continua a tomar a pílula. "Existe uma concentração excessiva de hormonas, que aumentam só por si pela própria gravidez", explica Pedro Canas Mendes, ginecologista e director clínico do Hospital Particular de Almada, acrescenta: "A mulher não sofrerá qualquer problema; o feto, no entanto, pode ter uma pequena perturbação no desenvolvimento e, se for do sexo masculino, existir tendência para a feminização."
Ana Maria, de 38 anos, tomou a pílula até ao quarto mês de gestação. "Como tinha perdas de sangue todos os meses, pensava que era o período e nem me passou pela cabeça que estava grávida do Salvador", conta a empregada de escritório. Tinha acabado de amamentar o primeiro filho e ficar grávida de novo não estava nos seus planos. "Mas já se passaram cinco anos e correu sempre tudo bem, mesmo durante a gravidez", assegura.
"Até ao quarto mês de gestação existem, por vezes, perdas sanguíneas cíclicas que correspondem ao tempo a que a mulher devia estar menstruada", avança Manuel Hermida, director do serviço de Obstetrícia do Hospital Garcia de Orta. "No entanto, não passam de pequenas hemorragias geradas pelo processo de ligação da placenta à parede do útero, ao registarem-se pequenas descolagens."
Por outro lado, o desconhecimento do estado de gravidez também pode ser um processo de negação psicológica, garantem os médicos. "Acontece sobretudo nas adolescentes que não acreditam ou não querem acreditar que estão grávidas. Recusam peremptoriamente a possibilidade de serem mães ao ponto de chegarem ao hospital com dores abdominais e estarem, na realidade, em trabalho de parto", descreve Hermida, que já assistiu a dois casos nos últimos anos.