Só a luz do dia dirá se Cabanões escapou à fúria das chamas
Mário Lopes desce a rua da sua casa em Cabanões com um cabaz de dióspiros, apanhou-os depois de dar de comer ao cão, o Pluto. Na aldeia, quase só restam os animais, as pessoas foram retiradas pela GNR, menos os "alemães que também lá ficaram". Regista que "tudo continua verde", mas o cair da noite preocupa-o. "Isto é um barril de pólvora, ontem não me deixaram passar, hoje expliquei que tinha o cão sem comida." Tem 73 anos, arranca no carro e parte para a casa em Lousã, sede do concelho (distrito de Coimbra), que ontem teve vários fogos incontroláveis.
Vinte habitações na aldeia, muitas delas de xisto e outras recuperadas, passeios arranjados, um lugar bonito e tranquilo, rodeado de verde. Apenas cinco casas habitadas durante todo o ano, pessoas que desde domingo estão com familiares na Lousã. Tem uma única estrada alcatroada, um quilómetro até chegar à nacional, com a capela de Santa Eufémia à entrada, surgem depois as casinhas, os quintais, os poucos campos cultivados. Tem de se fazer marcha-atrás para se sair e é isso que torna o local tão perigoso se as chamas lhe tocam. Com entrada e saída pelo mesmo sítio, facilmente se fica encurralado. Os operacionais controlam à distância, ouvem-se máquinas de arrasto a abrir caminhos. O fogo está longe, a subir a encosta desde o vale, Covas, mas não o suficiente para não se ouvir já a madeira a arder. Até que às 18.00 o vento começa a soprar. E com força, parece que vem de mais de um lado: um rasteirinho e outro que galga o sopé de pinheiros e eucaliptos. Impressiona até os bombeiros. Traz fumo, também chamas, o objetivo é que não galguem a estrada e subam até à serra de Trevim.
Vítor Carvalho, 40 anos, teme o pior, foi criado em Cabanões, os pais mantêm ali casa e desde às 04.00 da manhã de domingo que estão com familiares que vivem na sede do concelho. Difícil é tentar mantê-los à distância de onde "têm tudo".
Ele, o sobrinho e um amigo, Fábio Serra, de 20 anos, e José Carvalho, de 46, respetivamente, vigiam a entrada da aldeia, que visitaram de manhã e à tarde para ver como estavam as coisas.
Vigilantes em vários pontos de perigo estão também os operacionais que se encontram na zona. Bombeiros, sapadores florestais do distrito de Coimbra e arredores, também de Évora. Acompanham o percurso das chamas de um fogo que terá começado na madrugada de domingo e passou por vários concelhos da zona centro, mais perto desde que chegou a Serpins, galgando Arganil e Vila Nova de Poiares até chegar à Lousã. Há muito que não se via nada assim.
"É o calor, não tem chovido e está tudo seco, mas não pensem que o problema dos incêndios é só nos meses de verão. Outubro também é preocupante. O principal problema é que deixou de haver vigias. As aldeias estão sem habitantes e ninguém vigia os pinhais, quando as pessoas se apercebem de um incêndio já as chamas vêm alto." Vaticina Vítor, ele que foi vigia durante uma meia dúzia de anos, ganhava 180 euros mensais. Era o motorista e vigilante de uma equipa que tinha pontos de vigia no aeródromo, Senhora da Piedade, Vale Escuro. Levegadas e Pegada.
Vários pinheiros cortados junto à estrada, as chamas ameaçam transformá-los em cinza. Propriedade de José Antunes, 73 anos, madeireiro, dono da empresa Carpinteiros Reunidos Lda. Retiram à pressa a madeira, derrubam árvores, tentam evitar que tudo arda.
Afinal, os madeireiros têm culpas nos incêndios que têm deflagrado no país, como se queixa a população? José não desvia as atenções: "É como em tudo, há maus e bons profissionais no ramo. Não nego que alguns possam ter que ver, mas acho que isso terá sido há alguns anos, agora não vejo que ganhem dinheiro com isso. Compramos a madeira mais barata é verdade, mas também a vendemos barata. Agora temos muita madeira para vender e quando precisamos não há nenhuma."
A noite desce, a Lua surge grande e vermelha, o vento não abranda, espera-se uma noite agitada e à espera de chuva. Hoje, a luz do dia dirá se Cabanões escapou à fúria das chamas.