Só 16% das habitações têm cobertura de risco sísmico que deve ser obrigatória

José Galamba de Oliveira, presidente da APS, lembra que esta é uma preocupação também do setor bancário, na medida em que muitas habitações estão dadas como garantia, hipotecadas no crédito à habitação.
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A Associação Portuguesa de Seguradores (APS) defende que se torne obrigatória a contratação da cobertura de seguro de risco sísmico, quando há a de incêndio, estimando um custo de 25 a 75 euros de prémio anual.

O assunto não é novo, já que a primeira proposta para a constituição de um fundo sísmico foi feita em 2009, tendo até chegado a estar agendada para discussão em Conselho de Ministros no último governo de José Sócrates. Em 2016, a APS voltou a pegar no tema, atualizando o assunto com um trabalho apoiado por resseguradoras internacionais, por ser a forma de mitigar o risco à escala global, e foi nessa altura que fez uma proposta concreta junto do Governo para a criação de um fundo de um sistema de riscos catastróficos.

"O primeiro pilar -- que era aquele que estava mais estudado -- era o pilar sísmico, porque só 16% das habitações em Portugal é que têm cobertura de risco sísmico", disse José Galamba de Oliveira em entrevista à Lusa, lembrando que esta cobertura não é obrigatória.

"Preconizamos tornar essa cobertura obrigatória em primeiro lugar. Numa primeira fase, para que não seja muito pesado para todos, torná-la obrigatória quando a cobertura de incêndio é obrigatória (relembro que a cobertura de incêndio só é obrigatória para a propriedade horizontal, falamos dos prédios das cidades, vivendas, etc, ainda não é) -- e esse adicional de prémio dessa cobertura era canalizado para um fundo que teria dois objetivos: em primeiro lugar comprar resseguro porque é importante desde o primeiro dia que o fundo entre em funcionamento, que haja capacidade (pode haver logo um sismo)", afirmou.

José Galamba de Oliveira lembra que esta é uma preocupação também do setor bancário, na medida em que muitas habitações estão dadas como garantia, hipotecadas no crédito à habitação.

"Só para ter uma ideia do que é que estamos a falar, para um capital médio em Portugal das habitações de 150 mil euros de custo de reconstrução, estamos a falar num prémio que pode ir de 25 euros por ano a 75 euros por ano. Estamos a falar de dois euros por mês, o que não é uma coisa proibitiva, ainda que tenhamos consciência que para algumas famílias isso também possa ser um problema e também se podia ver com o Governo algum esquema de apoio social ou de Seguro Social para este tipo de situações", exemplificou.

Ainda assim, a APS diz que a proposta "não é uma proposta fechada", mas sim "uma porta aberta" de base de trabalho, estando a associação disponível para discutir o tema.

Outro dos assuntos com os quais a APS se debate há anos é a saída dos casos de acidentes de trabalho dos tribunais.

José Galamba de Oliveira disse que nos últimos 10 anos este foi "um ramo deficitário", em que os seguradores estimam ter perdido 500 milhões de euros.

"A verdade é que o setor identificou um conjunto de ações que é importante irmos conseguindo mexer (...) e há pelo menos duas que nos parecem tão evidentes e que podiam trazer poupanças de milhões de euros para o setor, pelas quais nós temos vindo a lutar de uma forma mais incisiva relativamente. [...] Nós preconizamos que se devia tirar dos tribunais a necessidade de tramitar os processos de acidentes de trabalho e doenças profissionais quando há incapacidades e que obrigam ao pagamento de uma pensão", afirmou.

O presidente da APS lembra que hoje em dia as tabelas de indemnização estão definidas e na maior parte dos casos são situações que são acordadas com o lesado, mas, ainda assim, depois têm que fazer uma tramitação em Tribunal de Trabalho.

"Qual é o problema? Tipicamente o tempo de resolução médio deste tipo de situações em Tribunal de Trabalho são 285 dias, são praticamente nove meses em média à espera que o tribunal certifique e (o lesado) receba a compensação que tem direito", acrescenta.

Segundo o responsável, 60% dos processos que entram todos os anos no Tribunal do Trabalho são de acidentes de trabalho e doenças profissionais, pelo que, em sua opinião, deve-se tirar dos tribunais "as pequenas incapacidades, as menores de 30%", em que haja acordo, enviando-se para o tribunal só para dar conhecimento e para estatísticas que se possam querer fazer.

Se assim for, "o Estado poupa, as pessoas desde logo não estariam em média nove meses à espera, e as seguradoras poupam imenso dinheiro porque entre custas de tribunais, as juntas médicas que é preciso montar (...) etc, são milhões de euros que estão calculados todos os anos e que vão para aí. E os tribunais ficariam com capacidade adicional para resolver outros processos que, de facto, precisam da intervenção dos juízes", insiste.

José Galamba de Oliveira diz que chegou a ter audiência com a ex ministra da Justiça sobre o tema, mas que o assunto não andou, não entendendo "por que é que é tão difícil, pelo menos, estudar o tema".

"Nós, agora com o novo Governo, voltaremos ao Ministério da Justiça. Temos também uma nova ministra, portanto temos que introduzi-la ao tema. Mas vamos apresentar o tema, pelo menos. Os lesados ganham e nós também poupamos dinheiro que é muito importante para conseguir a rentabilidade do setor", disse.

A outra iniciativa neste tema é com o Ministério de Trabalho e prende-se com "tornar obrigatório que as empresas enviem as folhas de remunerações que têm que enviar todos os meses para as seguradoras de forma digital (...). Todos os dias todos temos que digitar à mão grande parte, porque há muitos milhares de empresas que ainda mandam em papel e que tem que ser digitado nos sistemas e com outro problema: muitas vezes aquilo que foi para a Segurança Social e o que nos chega não joga e cria aqui situações de alguns litígios. Por isso é outra situação que também nos implicaria poupanças", acrescentou.

Por último, a APS diz que está a trabalhar nas tabelas de indemnização do dano corporal, pois estas "estão obsoletas".

"Tivemos uma ideia clara de que estavam desatualizadas nos incêndios de Pedrógão em que o Estado indemnizou por novas tabelas específicas para aquele caso, obviamente mais alto. A última vez que foram atualizadas foi em 2008 ou 2009. Achamos fazia sentido atualizar os capitais, estamos a estudar para depois apresentar uma proposta ao Governo", concluiu.

A Associação Portuguesa de Seguradores (APS) quer voltar a colocar na agenda pública vários temas, entre os quais o acordo de acesso ao crédito na lei do direito ao esquecimento e a questão fiscal no pagamento das despesas em teletrabalho.

O direito ao esquecimento é uma lei que foi aprovada no segundo semestre de 2021, promulgada pelo Presidente da República em 11 de novembro para entrar em vigor em 01 de janeiro de 2022, e que prevê impedir que pessoas que tenham superado doenças graves, como cancro, sejam discriminadas no acesso ao crédito ou seguros.

Lei que a APS considera importante e que traz resposta a situações "sensíveis" que se pautavam por dificuldades no acesso ao crédito por "pessoas que tinham doenças oncológicas, algumas já curadas há muitos anos", daí que tivessem dado contributos ainda antes da aprovação da lei. A questão é que foi aprovada, com "algumas novidades", entre as quais "e em especial" "um conceito de mitigação do risco [em que depois de dois anos de tratamento, de acordo com protocolos que se considerem eficazes, haja direito ao esquecimento]", afirmou.

Mas, "também introduz uma ideia que é a necessidade de se chegar a um acordo nacional de acesso ao crédito, a ser negociado, subscrito, pelo Governo, pelas associações representantes do setor financeiro -- banca e seguradores --, mas também das associações de doentes para tentar regular todos estes temas. Por exemplo, que doenças, que prazos, que informação pode ser ou não pedida às pessoas", exemplifica.

Negociação que com a queda do Governo, após o chumbo do Orçamento do Estado, não aconteceu.

"A lei fala na necessidade de se chegar a um acordo -- o tal de acesso ao crédito -- ou, na falta do acordo, um decreto lei para regulamentar estas situações. (...) Estamos disponíveis -- já fizemos saber disso formalmente -- para nos sentarmos à mesa com as várias entidades, porque isto é muito importante que se chegue rapidamente a este acordo ou, na falta do acordo, pelo menos que haja um decreto-lei", sob pena de, na prática, a lei não poder ser aplicada, disse.

Questionado sobre como se tem vindo a fazer, disse que "algumas situações estão a ser resolvidas".

"Mas falta regulamentação. Em vez de ser de uma forma casuística, em que cada seguradora ou cada banco interpreta a lei à sua maneira e define como é que a aplica, é importante haver um enquadramento legal até para não haver discriminações. Que seja de aplicação universal para toda a gente naquelas situações", acrescentou.

Agora, com a entrada em funções do executivo, "esperamos que haja condições para finalmente nos sentarmos, as várias partes, à volta de uma mesa para ver se chegamos ao tal acordo ou então o Governo que decrete já, faça um decreto-lei já com essas condições, isso é uma situação que é urgente, na nossa ótica", acrescenta.

Quando inquirido sobre um prazo razoável para se chegar a acordo, disse gostar de pensar "nos próximos meses até ao verão", até porque há muitas partes envolvidas, nomeadamente associações representativas dos doentes, que "têm legítimas aspirações", a banca, os seguros e o próprio Governo, enquanto legislador.

Já sobre a lei do teletrabalho, o representante dos seguradores diz que são precisos alguns esclarecimentos adicionais, "em especial o tema do pagamento das despesas".

Para já, está estabelecido que o trabalhador que prove que tem custos adicionais por estar em teletrabalho receba esse valor, mas a APS considera que, para além de ser "inviável em grandes organizações com milhares de trabalhadores", até pode pôr em causa a própria privacidade dos funcionários.

Situações que, na sua ótica, "poderiam ser ultrapassadas facilmente se se criasse um conceito de subsídio, como já existe o subsídio de refeição", disse.

Poderia haver um subsídio ao teletrabalho, em que o Governo poderia definir um montante até ao qual esses subsídios teriam de ser isentos fiscalmente e, portanto, as empresas poderiam atribuir um subsídio em função do número de dias, ou do número de dias do teletrabalho, ou por semana, ou por mês, depois isso ficaria, obviamente, a cargo do empregador", exemplificou.

Para já, a situação está a ser ultrapassada por alguns associados com a definição de 'plafonds'. "A verdade é que é muito difícil uma organização com muitas centenas de pessoas, ou até milhares, começar a fazer esse controlo uma a uma quanto é que essa pessoa gastou mais do que o mês passado".

Essencialmente, levanta-se o tema fiscal: "É que se nós pagarmos todos os meses, com regularidade, um determinado montante de compensação pelo trabalho às pessoas, esse montante é passível de IRS e não é isso que queremos. Obviamente, aquilo é para cobrir uma despesa que a pessoa estará a ter adicional. Por isso, achamos que esse conceito de criar um subsídio é muito importante".

Questionado se as seguradoras aderiram ao teletrabalho, diz que a pandemia "demonstrou que tudo funciona" e com "grande vantagem adicional que dá maior equilíbrio sobre a vida pessoal e profissional, o que é muito valorizado". A maioria dos associados está a optar por "um regime híbrido", para que não se perca "a criação de cultura de uma empresa, a aprendizagem que se faz muitas vezes entre dois cafés e uma conversa que às vezes resolve problemas", concluiu.

O presidente da APS defende, que deveria ser obrigatória a cobertura do condutor nos seguros automóvel, referindo que 60% dos acidentes causam danos no condutor.

"Faz sentido que essa cobertura seja obrigatória como acontece em muitos outros países. O seguro [de responsabilidade civil obrigatório] paga os passageiros, mas deixa de fora o condutor e achamos que nessas situações faria sentido que o condutor também tivesse essa cobertura obrigatória", diz José Galamba de Oliveira, defendendo que essa cobertura esteja incluída no seguro de responsabilidade civil obrigatório.

"Se alguém vai andar na estrada e com o piso molhado tem um acidente, despista-se, bate num rail e fica incapacitado, o seguro não paga porque está de fora [da cobertura]", explica.

Atualmente, indica, em 60% dos acidentes os condutores sofrem danos e podem ser graves e ter também impacto na perda de rendimentos, mas o seguro de responsabilidade civil obrigatório não obriga à cobertura do condutor.

O seguro automóvel obrigatório assegura o pagamento das indemnizações por danos corporais e materiais causados a terceiros e às pessoas transportadas, com exceção do condutor do veículo.

Ainda relativamente aos seguros automóvel, em 2021 foi aprovada na União Europeia a nova diretiva automóvel, que tem de ser transposta para a lei portuguesa até meados de 2023.

Segundo Galamba de Oliveira, as mudanças não terão muito impacto em Portugal, mas admitiu que os seguros automóveis podem ser agravados por via desta diretiva, ainda que ligeiramente, em função do aumento dos montantes dos capitais mínimos a que a diretiva obriga.

Com a subida dos capitais "é normal que haja um ligeiro ajuste nos prémios" dos novos seguros automóvel, diz.

"Não estamos a falar em duplicar nem nada. Vai haver algum ajuste, mas não é uma coisa que seja muito relevante", acrescenta Galamba de Oliveira.

A nova diretiva harmoniza a nível europeu os montantes de capitais mínimos (passam a 6,45 milhões de euros por acidente para os danos corporais e 1,3 milhões de euros para os danos materiais, a partir de 01 de junho de 2022), o que significa uma subida face aos capitais mínimos atuais em Portugal (6,07 milhões de euros para danos corporais e 1,22 milhões de euros para danos materiais).

A diretiva também normaliza a declaração de sinistros de um determinado veículo nos vários Estados-membros e define que veículos devem ser abrangidos por seguros obrigatórios de responsabilidade civil (veículos em que a velocidade máxima é superior a 25 quilómetros por hora e o peso é superior a 25 quilogramas, excetuando trotinetes, bicicletas ou cadeiras de rodas). Para outros veículos ligeiros, cada país pode decidir se o seguro é obrigatório ou não.

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