SMS serão documentos administrativos
Além da falta de segurança nas comunicações entre governantes e altas figuras do Estado, coloca-se ainda a questão da preservação da informação oficial, que não fica garantida, nomeadamente nas trocas das comunicações eletrónicas.
José Magalhães, ex-governante e ex-secretário de Estado do Partido Socialista, coautor da LADA (Lei de Acesso aos Documentos Administrativos), afirma ao DN que "reina uma enorme indefinição" sobre como deve ser conservada a informação gerada na gestão da coisa pública.
Isto porque a lei dos arquivos públicos nunca foi adaptada ao digital - ou seja, ao facto de cada vez mais tudo estar desmaterializado e circular exclusivamente por correio eletrónico.
"O processo é caótico", afirma José Magalhães, referindo-se aqueles momentos em que um governante cessa funções e passa a pasta a outro. É certo que o agente cessante pode produzir dezenas de milhares de fotocópias e basicamente ficar em sua posse com um espólio pessoal. Mas o pior é mesmo o contrário: "Tudo pode sumir" e não há forma de o controlar, admite o antigo governante socialista.
Quer dizer: em tese até é possível - e não é ilegal - que um governante conduza todo um processo negocial de uma grande adjudicação, envolvendo milhões do erário público, usando exclusivamente o seu email pessoal. O qual, evidentemente, poderá hipoteticamente fazer desaparecer se lhe der jeito (e sabe-se que isso no passado condicionou negativamente investigações judiciais).
Quanto aos emails oficiais dos governantes (e dos elementos dos seus gabinetes) há uma certeza: há cópias de segurança de tudo nos servidos do CEGER (Centro de Gestão da Rede Informática do Governo).
O que Magalhães advoga é que o Estado crie uma grande "nuvem" digital, não compartimentalizada por ministérios e fortemente encriptada, para que os agentes do Estado autorizados possam consultar o que lhes interessa em qualquer parte, sem terem de recorrer a "drope boxes" privadas e manipuláveis no que se pode guardar ou não.
Segundo acrescenta, em teoria as mensagens SMS que Mário Centeno e António Domingues trocaram até podem ser considerados documentos administrativos e portanto um dia ser acessíveis, como o podem os documentos oficiais de um qualquer processo negocial do Estado. "A lei só diz que "nunca pode ser a quente". Um ano, no mínimo, tem de passar, até ao processo negocial estar concluído.
Seja como for, para Magalhães o problema não é esse, é outro: "Não pode ser, não deve ser, é um absurdo! Não se podem tratar de coisas daquelas por SMS. Não é crime nenhum, simplesmente não se devia fazer."
Um antigo assessor de um antigo primeiro-ministro assegurou ao DN que todos os governantes recebem, quando assumem funções, um portátil e um telemóvel, podendo, se quiserem, manter o número que já tinham.
A segurança dos computadores, com software da Micro soft, é considerada forte, requerendo medidas de encriptação e assinatura digital. Já nos telemóveis, ninguém põe as mãos no lume. O que se sabe é que os governantes recebem normalmente Iphones e o resto do pessoal recebe outros mais baratos.