Sintra

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"O que fez D. Fernando por Sintra?". Nas deliciosas páginas de história local que deixou, José Alfredo da Costa Azevedo (1907-1991) narra como ouviu, perplexo, esta pergunta. Estava-se no pós-74 e havia quem considerasse que "'uma câmara democrática não podia prestar homenagens a um rei'". Em discussão estava, então, o monumento ao Rei-Artista que viria a ser erguido no Ramalhão. Sintra cumpre hoje o 10.º aniversário da sua inscrição na Lista do Património Mundial (LPM) e a pergunta que se impõe é a inversa que têm feito as instituições públicas pelo legado que D. Fernando ergueu, desde o momento em que, ainda em Oitocentos e após a campanha movida contra as suas disposições testamentárias, o Estado dele tomou posse? Os problemas que a paisagem de Sintra ainda hoje enfrenta - mais de cem anos depois, o Estado continua à procura de um modelo de gestão eficaz - talvez aí encontrem resposta.

(Des)articulação. Pulverização de tutelas, deficiente articulação, lentidão de procedimentos, exiguidade de verbas, dificuldade em planear para lá da efemeridade dos ciclos políticos. Não são um exclusivo do património de Sintra, mas falhas como estas têm sido, também acerca dele, apontadas. Tal como o sentimento de perda iminente, mesclado com a esperança de que um reconhecimento supra-nacional pudesse levar à sua salvaguarda - desejo patente nas primeiras sugestões de candidatura à LPM, em 84, por Matilde Sousa Franco e, em 88, por Vítor Serrão.

Na apreciação que faz destes dez anos, Emma Gilbert, presidente da Associação Amigos de Monserrate, pensa que "poderia ter-se feito mais". Estar na LPM, lembra ao DN, "é uma honra, mas também uma responsabilidade". A associação, baseada no voluntariado, tem entre as suas missões a recolha de fundos, trabalho que "não tem sido fácil". Até porque há factores que não dependem das associações "É preciso que toda a área classificada tenha uma entidade responsável e responsabilizável", condição essencial também para que um patrocinador adira. Como aspecto mais urgente, Emma Gilbert aponta o desordenamento do território: "É importante que não se estraguem os sistemas de vistas, que não se deixe construir onde não é suposto. Sintra não é só parques e palácios; é também a faixa litoral, a zona rural e tudo isso precisa de apoio, dinheiro, planeamento, organização, cuidado, articulação."

A integração na LPM "projectou Sintra e conteve a descaracterização daquela área, tendo em conta que especulação imobiliária e betão foram notas dominantes desta década", afirma, por seu lado, Flora Silva, presidente da Associação Olho Vivo. "Mas temos preocupações, como a empresa Parques de Sintra/Monte da Lua (PSML). O que deveria ser uma estrutura fundamental para zelar por aquela área ajudou a descaracterizá-la, com a destruição de áreas florestais para criação de estacionamento, construção de mamarrachos junto aos parques ou autorizações recentes como a dada à implantação de um reality show na Tapada do Mouco."

"A PSML custa muito ao erário público e não podemos continuar a investir mais dinheiro em administradores", diz Flora Silva, que considera "essencial uma estrutura mais transparente e ágil e não uma sociedade com fins lucrativos. Há, de resto, no seu seio entidades credíveis, com know-how que importa potenciar". A atenção da associação volta-se, sobretudo, para o futuro "Vamos atravessar uma fase de revisão do PDM e sabemos que, para a zona inscrita na LPM e zona-tampão, há projectos que poderão pôr em causa a paisagem que valeu a Sintra este título".

Essa mesma atenção ao conjunto é defendida pela Associação de Defesa do Património de Sintra. Adriana Jones, sua presidente, salienta, entre os aspectos positivos, a intervenção nos Capuchos, o retomar dos trabalhos em Monserrate, os museus do Brinquedo e de Odrinhas, a abertura da Regaleira. "Mas, a par disto, há problemas que já vinham de trás e se agravaram." Como a ausência de recursos humanos que, em permanência, cuidem da imensa mancha verde de Sintra, dos seus muros, fontes, minas, estufas. "Os serviços florestais cuidavam desses aspectos, mas as pessoas foram-se reformando e não foram substituídas." A solução, defende, passa por "ter gente a trabalhar no terreno e que resida nos parques", tirando partido das antigas casas de guarda. Gente que, a par do seu trabalho, "voluntário até, desde que enquadrado, envolvendo jovens, reformados, desempregados, reclusos, possa amar estes espaços, aproveitando sinergias".

Ao longo dos anos, foram vários os alertas da associação, incluindo uma petição em prol da Pena, "parque botânico que sofreu já perdas irreversíveis", e com longa vocação científica "que foi abandonada". "Gente a tempo inteiro para limpeza e conservação é, para nós, a prioridade porque, sem ela, de pouco valerá recuperar edifícios." Adriana Jones nota que Sintra "não está a ter os mesmos níveis de procura", sobretudo entre o turista mais exigente, "desiludido ao encontrar floresta maltratada e pouca informação". Turista que gostaria de, por exemplo, poder levar um pouco dos parques de Sintra, "pela compra de sementes e de flores dos seus viveiros", no que "poderiam ser importantes fontes de receita" e de promoção.

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