Sinfonia do apocalipse financeiro

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Uma das situações recorrentes de 'O Dia Antes do Fim' tem a ver com a ideia de que, quanto mais alto uma pessoa está numa cadeia hierárquica, menos noção tem do que se está a passar. Começa quando o superior do jovem analista de mercados interpretado por Zachary Quinto diz "Não percebo nada disto", quando este lhe comunica que descobriu que o banco de investimento do filme (modelado à imagem do Lehman Brothers, que ruiu em 2008) está a um passo da catástrofe. E termina mesmo no topo, quando o poderoso patrão (Jeremy Irons) pede que lhe expliquem tudo "como se estivessem a falar com uma criança". Longe de ser uma demonização confortavelmente fácil, oportunista e com o dedinho moralizador esticado, daqueles que trabalham no mundo da finança e estão agora entre as pessoas mais odiadas, insultadas e amaldiçoadas do mundo, este filme de estreia de J. C. Chandor prefere descrever (com inteligência, detalhe e tensão e uma precisão de relojoeiro) como é que um grupo de pessoas tenta salvar-se de uma catástrofe financeira global que causou, humanizando-as em vez de as caricaturar ou estereotipar em bonecos da "exploração capitalista", sem que isso signifique que sejam limpas de culpas e de responsabilidades. Nomeadamente, dos pecados da ganância, da soberba, da inconsciência e da incompetência, que vão sendo expostos à medida que Chandor desenvolve uma intrincada mas fluida sinfonia de telefonemas, consultas de ecrãs de computadores e televisões, reuniões, olhares, conversas cheias de jargão e crescente aflição, passada em apenas 24 horas numa floresta de arranha-céus. "Percebam Wall Street", diz Chandor, em vez de "Ocupem-na!", neste filme-catástrofe em que o maremoto é invisível, mas destrói bens e vidas com a mesma força do outro.

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