Sindicatos traçam linhas vermelhas para teletrabalho

Há três reuniões técnicas com o Governo até ao fim do mês, mas estruturas desconhecem avaliação do que foi a pandemia ou proposta concreta do executivo para negociar.
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Depois de a pandemia ter empurrado 68 mil funcionários das carreiras gerais do Estado para o teletrabalho, o Governo quer regulamentar a matéria e abrir caminho para que até 17 mil trabalhadores do Estado fiquem em funções remotas até 2023. Os sindicatos, que esta terça-feira (30 de junho) começam a discutir o assunto com as equipas técnicas do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, não têm pressa em mudar lei. Aliás, dizem, é difícil fazê-lo sem uma avaliação e sem uma proposta concreta do Governo sobre a qual negociar.

Até 24 de julho, estão marcadas três reuniões entre os sindicatos e o ministério. A ideia já antes avançada pelo ministra Alexandra Leitão é a de "densificar" o regime de teletrabalho em funções públicas - que, atualmente, remete para as regras do Código do Trabalho. Por exemplo, revendo matérias como a fiscalização dos horários.

A primeira linha vermelha que os sindicatos colocam nas discussões é de base. Diz respeito às próprias negociações. A Frente Comum revela que as estruturas sindicais estão a ser chamadas a reunirem-se com técnicos e não governantes do ministério. E, assim, a discussão não avança.

"Vamos entregar uma declaração ao ministério a exigir uma negociação séria da matéria com quem tem direito para negociar e resolver os problemas políticos que se encontrarem nas propostas. À parte disto, ainda não recebemos nenhuma proposta concreta. Portanto, chamar negociação a uma coisa que não se conhece é manifestamente prematuro", afirma Sebastião Santana, coordenador da estrutura afeta à CGTP.

Também a Fesap vai adiantando que é difícil ter a discussão sem saber como correram, afinal, os três últimos meses em teletrabalho precipitado pela pandemia. "Haveríamos de fazer antes uma avaliação das condições, das áreas, dos setores, das atividades que foram para teletrabalho, de que modo funcionaram, com que meios, com que condições de trabalho. Por isso, pedimos números, pedimos informação. Não recebemos nenhuma informação", assegura o secretário-geral, José Abraão.

Segundo o dirigente, o memorando para as discussões entregue ao Governo lista uma série de aspetos que incluem desde "a voluntariedade do teletrabalho e a reversibilidade, as questões relativas à modalidade do trabalho - se é domiciliário, se é trabalho móvel em centros de coworking -, critérios comunicativos de ligação entre trabalhador e o serviço, ferramentas de trabalho, igualdade entre homens e mulheres, igualdade de tratamento do trabalhador em regime de teletrabalho, privacidade do trabalhador e da sua famílias, períodos normais de trabalho e tempos de não trabalho, assiduidade, benefícios e riscos".

Um calendário "acelerado" com questões "difíceis de ultrapassar"

A FESAP estabelece desde já uma série de linhas vermelhas: não aceita nem períodos longos em teletrabalho sem trabalho presencial, nem recurso ao teletrabalho externo nem teletrabalho com isenção de horário.

Há ainda outras matérias que quer ver clarificadas na legislação, como o direito a desligar, seguros de trabalho, subsídios de refeição, processos de avaliação, além das garantias de que é o empregador que suporta os custos com os instrumentos de trabalho e consumos que serão feitos em casa dos trabalhadores. Por exemplo, com a definição de um suplemento que cubra estas despesas.

José Abraão entende ainda que os sindicatos devem ser ouvidos pelos serviços da função pública quando estes vierem a definir o pessoal que pretendem colocar em teletrabalho.

Mas o responsável da Fesap alerta que será uma precipitação querer definir tudo em julho e sem uma avaliação do que foi a realidade do teletrabalho até aqui. "O objetivo do mês de julho é capaz de ser um bocado acelerado. O caminho faz-se caminhando e temos de dar passos seguros".

Da parte do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), também há sobretudo perguntas nesta fase. A presidente, Maria Helena Rodrigues, quer desde logo saber quem são os trabalhadores que o Governo prevê poderem seguir para teletrabalho. "Como diz que é 25% dos trabalhadores e 50% dos serviços com trabalhadores em teletrabalho, importava saber quem são", diz.

A dirigente refere também que "a maioria" dos funcionários estará a executar funções remotas com meios próprios e não fornecidos pelos empregadores. Será necessário perceber onde o Governo quer aplicar os 4,4 milhões de euros que no Programa de Estabilização dedica à implementação do teletrabalho.

Helena Rodrigues levanta ainda outra questão que será preciso salvaguardar: "Os trabalhadores em teletrabalho podem também ser alvo de assédio, e nesse caso não têm hipótese de se defenderem".

Por outro lado, a presidente do STE lembra o isolamento a que os trabalhadores ficarão sujeitos e teme que o teletrabalho possa empurrar mais as mulheres para casa do que os homens. "Se as mulheres ficarem mais, porque são elas que tomam conta dos filhos - e essa é uma das motivações que vimos nos últimos tempos -, vai haver um agravamento da desigualdade de género".

Quanto à Frente Comum, diz que terá propostas para uma negociação quando a houver, mas lista desde já as questões que acha "difíceis de ultrapassar": isolamento dos trabalhadores, perda das relações de equipa e acabar por "transformar-se a casa das famílias em locais de trabalho". Para Sebastião Santa, haverá que esteja satisfeito com a perspetiva de teletrabalho, mas já sabe quem o vai rejeitar: "Os trabalhadores que têm filhos menores em casa rejeitam à partida o teletrabalho."

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