Simone Tebet será a candidata da frágil terceira via no Brasil

Senadora de 52 anos escolhida como alternativa a Lula da Silva e Bolsonaro tem de combater a falta de coesão, de identidade e de base de apoio dos centristas que a apoiam, alertam cientistas políticos.
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Depois de dezenas de nomes lançados ao público, de entrevistas às televisões, de perfis geometricamente traçados nos jornais, de anúncios bombásticos de candidaturas, de duelos partidários voto a voto, de encontros noite afora, de reuniões mais e menos secretas sem fim, de algumas alianças e de muitas traições, a chamada "terceira via" eleitoral aos favoritos Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) para a eleição presidencial de outubro no Brasil chegou, finalmente, a uma conclusão: avança Simone Tebet, senadora de 52 anos, do MDB, com um candidato a vice-presidente do PSDB.

O termo "terceira via", que desagrada a boa parte dos integrantes do grupo que se denomina do "centro democrático", foi inicialmente utilizado pelo primeiro candidato a encabeçá-la: Luciano Huck. O apresentador de televisão, no entanto, foi também o primeiro a abandoná-la: preferiu renovar contrato com a TV Globo a protagonizar extenuante corrida ao Palácio do Planalto.

O médico Luiz Henrique Mandetta, bem avaliado ministro da Saúde de Bolsonaro que rompeu com o governo por divergências no combate à pandemia, chegou a liderar aquilo a que chamou, em entrevista ao DN de março de 2021, de "grande guarda-chuva de um polo democrático", traduzido num manifesto assinado por uma mão cheia de presidenciáveis. Mais tarde, como Huck, o clínico também sairia de cena.

Entre os signatários desse manifesto, estavam João Doria e Eduardo Leite, governadores, respetivamente, de São Paulo e do Rio Grande do Sul, e adversários nas eleições primárias do PSDB, um partido por definição entre o centro-esquerda de Lula e a extrema-direita de Bolsonaro. Doria ganhou mas os barões do partido não aceitaram o resultado e Leite, mesmo derrotado, insistiu em continuar na corrida. No meio do absurdo impasse, nem um, nem outro a terminaram, no entanto.

Pelo meio, surgiu um nome aparentemente de consenso: Sergio Moro. Numa sucessão inacreditável de passos em falso, entretanto, o ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro saiu do pequeno Podemos, que tinha a seus pés, para o mais forte União Brasil, que lhe vetou os desejos presidenciais. Hoje, fica satisfeito se o deixarem concorrer a deputado federal por São Paulo.

Sobrou então Tebet, a candidata do MDB que em dezembro dizia ao DN que "não negociaria ser vice de ninguém". A experiente senadora deve ser acompanhada por um histórico do PSDB, o também senador Tasso Jereissati ou o controverso candidato presidencial de 2014 deputado Aécio Neves, como vice, depois das direções dos dois partidos e do Cidadania terem decidido nesse sentido com base em pesquisas qualitativas que a dão como a candidata com mais potencial de crescimento.

Mas Tebet, hoje com 1% nas sondagens, tem hipóteses de romper a polarização entre Lula, acima dos 40 pontos, ou Bolsonaro, mais de 30?

"Não, a terceira via não tem hipóteses, seja qual for o nome, hoje fala-se em Tebet, já se falou em Doria [anunciou esta segunda-feira que não é candidato], antes era o Moro, mas nenhum tem hipóteses", sentencia o politólogo Alberto Carlos Almeida, cientista político co-autor de A Mão e a Luva - O Que Elege Um Presidente.

"E não tem hipóteses porque só existe um candidato de governo, o Bolsonaro, e 90% de quem considera o governo ótimo ou bom vota nele, desse modo, a terceira via tem de procurar votos pelo lado da oposição e aí 90% dos que consideram o governo mau ou péssimo, vota em Lula", acrescenta.

"Então, para que a terceira via cresça tem de tirar votos de Lula e, para tal, tem de ser mais oposição a Bolsonaro do que Lula vem sendo, e os nomes da terceira via não conseguem sê-lo porque, nalgum momento, já foram apoiantes de Bolsonaro".

Almeida sublinha que "o PT, do Lula, é a cara da oposição, é quem anda desde 1989 a disputar eleições e é quem perdeu para Bolsonaro em 2018, através do candidato Fernando Haddad". "Então, a lógica do eleitor é simples: "quem perdeu para Bolsonaro? O PT. A vida melhorou com Bolsonaro? Não. Então vamos dar outra oportunidade ao partido que perdeu para ele até porque nos governos do PT a vida estava melhor""

O cientista político Vinícius Vieira afirma que "um movimento, para existir, tem de ter força, por isso podemos dizer que a terceira via, apenas elitista e sem força popular, nunca existiu". "Ao escolher, ao que tudo indica, Simone Tebet, a terceira via, no fundo, apenas adia a sua agonia".

"O país está muito polarizado entre o centro-esquerda e a direita, com pouco espaço para uma alternativa centrista representada por esses partidos, o MDB, que era o único partido de oposição à ditadura, o PSDB, que é uma cisão do MDB, e o Cidadania, que é um ex-partido comunista que foi se deslocando para o centro-direita", prossegue o académico da Fundação Armando Álvares Penteado.

"O União Brasil, que fazia parte desse grupo, decidiu, entretanto, apostar num voo a solo, até porque, sendo uma fusão entre o DEM, descendente do ARENA, partido de sustento da ditadura militar, e o PSL, antigo partido de Bolsonaro, tem uma base forte de bolsonaristas", lembra. Luciano Bívar, presidente do União Brasil, lançou pré-candidatura em abril.

Para Mayra Goulart, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, "as indecisões da terceira via são fruto de uma crise de identidade: boa parte das suas bases identifica-se com o bolsonarismo e elas precisam diferenciar-se do presidente para lançar a candidatura mas, se se diferenciarem demais, perdem essas bases".

"Um outro problema é que muitos dos candidatos a deputados desses partidos da terceira via preferem aparecer ao lado de um candidato a presidente como o Bolsonaro a aparecer ao lado de um candidato a presidente com um efeito eleitoral muito menor".

De acordo com a professora, eleitoralmente, a opção por Tebet, em detrimento de Doria, pode preocupar, em tese, mais Lula do que Bolsonaro. "Por ser mulher e ter um discurso um pouco mais progressista, prejudica mais o campo lulista", afirma. Opinião partilhada, até certo ponto, por Vieira. "Por ser mulher, pode conquistar o eleitorado feminino, para já em massa com o Lula, mas ela também tem ligação ao mundo do agronegócio, seara de Bolsonaro".

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