Simone de Oliveira: "Há uma coisa terrível que é o poder e o poder mata tudo"

10 perguntas à queima-roupa, 10 respostas na ponta da língua. Nesta rubrica, o DN desafia personalidades a comentar assuntos quentes do país e do verão. Hoje é a vez da grande dama do panorama musical português, a cantora Simone de Oliveira.
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Igualdade homens/mulheres?
Infelizmente não acredito. Há uma tentativa quase sub-reptícia de que aconteça, mas ainda vai levar o seu tempo e não quer dizer que as mulheres não mereçam. Agora, a nível político é sempre muito complicado e não é que as mulheres não sejam capazes, mas há sete homens e meio para cada mulher, está dito, não é? Diz quem sabe, que eu nunca contei, porque nunca tive sete homens. Tem de existir igualdade para nos entendermos, porque as pessoas não se entendem, não querem entender-se. Há ciúme, há inveja, há raiva e há uma coisa terrível que é o poder e o poder mata tudo. O dinheiro faz falta, claro, mas quando há excesso é muito pouco normal que as pessoas sejam boazinhas. Se os grandes milionários desse mundo distribuíssem um bocadinho de dinheiro deles não havia fome.

Estado da Cultura?
Cultura não é só ser bem-educado. Se for perguntar a um menino de 15, 16, 17 anos se sabe o que foi a Guerra de África ou quem foi o Presidente da República há quatro anos eles não sabem. Não sei se é porque não lhes ensinam ou se porque não têm interesse em saber. O meu neto mais novo tem 20 anos, eu cantei na Guerra de África para os soldados, e ele dizia-me que não percebia. Expliquei-lhe que fomos mandados, ninguém se ofereceu, fomos mandados pelo Governo do Salazar para ir cantar para os soldados que estavam a defender a pátria. Vi uma metralhadora, catanas, vi essas coisas todas. Foi uma coisa que em determinada altura deixou de ser contada. Não se fala.

Teatro Clássico ou revista à Portuguesa?
São duas coisas completamente distintas. São duas coisas maravilhosas de fazer e fiz os dois lados. Costumo dizer: há coisas que não se ensinam. Ou só se canta, ou não se canta, ninguém ensina a cantar. Pode-se dizer, não respires aí, não respires ali, mas é como o Teatro, a pessoa tem de ter a apetência para saber, para querer, para agarrar uma personagem. Isso também é preciso quem nos ensine. Eu tive a sorte de ter o Armando Cortês, o Nicolau Breyner como ensinamento.

Independência Financeira?
É minha. Fui eu que a comprei com o meu trabalho. Tenho dois filhos espantosos, os dois formados com o meu trabalho, o pai não deu nada. A minha mãe dizia-me para pedir, mas nunca quis e nunca pedi, se não queria dar, não dava. Tenho dinheiro suficiente para viver, mas nunca fui rica. Essa ideia de que fui rica não é verdade, aliás, as minhas reformas... é melhor nem falar nisso, pela simples razão de que nós descontávamos para a Segurança Social, nos tempos em que fazíamos revista, só que acontece que os nossos patrões não punham. A independência financeira é gerir bem as minhas reformas. Vivo das minhas reformas, consegui comprar a casa há uns anos largos, mas claro que se fosse agora não conseguia. A minha filha ajuda ou a minha empregada, mas de resto vivo tranquilamente. Gosto muito de caviar, ostras e champanhe, adoro, mas também gosto muito de carapaus fritos e açorda, portanto, estou muito feliz.

Governo.
Votei sempre PS, toda a gente sabe, não vale a pena dizer que não. Penso muito honestamente que estes últimos anos houve coisas mal feitas, mas acho que o doutor António Costa e o nosso Presidente da República têm feito os impossíveis, sobretudo quando foi a pandemia. Falei muito com a dra. Marta Temido, porque quem tenho um respeito absoluto, e sei bem o que eles choravam sozinhos a pensar o que haviam de fazer mais.

Portugal.
A minha pátria, a minha terra. Serei portuguesa até o último segundo da minha vida, não queria ser outra coisa. Temos um país magnífico, com gente magnífica e muitas coisas que não conhecemos, até eu própria há sítios deste país que desconheço. Aliás, basta de chegar de barco a Lisboa. É por isso que os estrangeiros todos chegam aqui e ficam parvos com tudo, com a forma como nós até já passamos pelas coisas e não damos por elas.

Impostos?
Sempre paguei os impostos todos que havia para pagar, nunca lhes fugi, não sei fazer aldrabices com essas coisas. Dá-me a sensação que as pessoas olham para mim e sabem logo se estou a aldrabar ou não. Tenho uma prótese que às vezes apita, mas começo-me a rir.

Música favorita?
Tenho várias coisas. Gosto muito do Aznavour, tenho o último espetáculo dele em DVD, mas nem posso ver muitas vezes porque choro muito. Também gostei sempre muito da Whitney Houston, gosto muito do Camané, do Ricardo, da Carminho, da Marisa Liz, dos irmãos do Camané também, gosto de fado quando é bem cantado. Diva só houve uma e chama-se Amália, não há mais nenhuma, só houve uma Amália e será sempre a única diva deste país.

Qual foi e é a sua Missão?
Sei lá. A missão da minha vida é vir ajudando os outros, se puder. É viver corretamente, não fazer mal a ninguém, não ocupar o lugar de ninguém. É cantar os poetas que quiseram fazer o favor de escrever sobre mim, embora nunca tenha pedido poemas. Não me pergunte como é que apareceram, porque ainda estou para saber. Não sei se terei tido uma missão, talvez sofrer. Nasci para sofrer. Acho que isso é muito português, somos assim. Quando nos perguntam como estamos dizemos sempre "mais ou menos" ou "vai-se andando", mas nunca ninguém diz só "estou bem". Somos sempre uma coisa que queríamos ser, mas não chegamos lá.

Um sonho por cumprir?
Tenho um grande. Andar no comboio do Expresso do Oriente: meu Deus o que gostava de andar nesse comboio! Claro que não vai acontecer. Andei de barco, de avião, já fui à Argentina, ao Brasil, a Angola e Moçambique, fui a Paris, fui a Londres, fui ao Luxemburgo, à Bélgica, à Alemanha. Mas talvez gostasse de conhecer melhor o Portugal que não conheço, calmamente, serenamente, poder almoçar e jantar as coisas típicas, ver aqueles lugares típicos.

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