Simões Pereira ou Sissoco Embaló? Ano novo, presidente novo na Guiné-Bissau
Os guineenses são chamados neste domingo às urnas para escolher o próximo presidente da República, esperando que estas eleições ponham fim a um ciclo de instabilidade e tensão política no país.
Durante o mandato de José Mário Vaz, que falhou a reeleição e foi apenas quarto na primeira volta, a 24 de novembro, houve oito primeiros-ministros, dois deles estiveram no cargo em mais do que uma ocasião. Antes mesmo da primeira volta, o presidente (que deixou o PAIGC e concorreu como independente) ainda demitiu o governo liderado por Aristides Gomes, saído das legislativas realizadas em março, e nomeou um outro, não reconhecido pela comunidade internacional, que ameaçou impor sanções.
Dois ex-primeiros-ministros são precisamente os candidatos a chegar à presidência. Domingos Simões Pereira, líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) desde 2014, venceu a primeira volta, com 40,13% dos votos. Já Umaro Sissoco Embaló, apoiado pelo Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15), obteve 27,65%, numa eleição considerada "calma" e "serena" pelos observadores internacionais.
O PAIGC venceu as eleições legislativas de 10 de março, mas sem maioria, tendo conseguido formar governo com base numa coligação parlamentar, que inclui a Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), cujo líder, Nuno Nabian, que ficou em terceiro na primeira volta, apoia Umaro Sissoco Embaló na segunda volta. José Mário Vaz também anunciou o seu apoio a Embaló, assim como o candidato que ficou em quinto lugar, Baciro Djá.
Mais de 760 mil guineenses são chamados neste domingo às urnas para escolher o próximo presidente, sendo o resultado conhecido apenas a 1 de janeiro. Mas quem são Simões Pereira e Sissoco Embaló?
O engenheiro civil com 56 anos, formado na antiga União Soviética, fez um mestrado em Ciências Técnicas na Universidade de Fresno, na Califórnia, e doutorou-se em Ciências Políticas na Universidade Católica, em Portugal.
Antigo ministro das Obras Públicas e do Equipamento Social, Domingos Simões Pereira ganhou protagonismo enquanto secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), cargo para que foi nomeado em julho de 2008 e que ocupou até 2012.
Em fevereiro de 2014 foi eleito líder do PAICG, vencendo depois as legislativas e assumindo o cargo de primeiro-ministro entre julho de 2014 e agosto de 2015, quando foi demitido pelo presidente. Este alegou graves divergências políticas.
As divergências entre José Mário Vaz e Domingos Simões Pereira dominaram a política guineense nos últimos anos, depois de o presidente cessante ter demitido o líder do PAIGC de primeiro-ministro em 2015 e de ter recusado duas vezes o seu nome para a chefia do governo, após a vitória nas eleições de março de 2018.
"Eu falei que é necessário ter justiça, mas é preciso saber perdoar e é preciso nós podermos olhar para a frente, convocar a nação guineense e sermos capazes de passar esta mensagem forte de que todos seremos ainda poucos para os objetivos que são colocados" ao país, defendeu Simões Pereira numa entrevista à agência Lusa.
Casado e pai de três filhos, o antigo primeiro-ministro já recebeu várias distinções internacionais, incluindo a Grã-Cruz da Ordem do Infante Henrique, atribuída pelo antigo Presidente português Aníbal Cavaco Silva.
Como candidato a presidente prometeu repor a dignidade dos guineenses, combater as desigualdades sociais e refundar o Estado. "O que falta na Guiné-Bissau não é escola, não é hospital, é o Estado que desapareceu de há uns anos a esta parte. Esta nossa candidatura é para repor o Estado, repor a ordem na Guiné-Bissau", defendeu Domingos Simões Pereira.
O "matchu" da Guiné-Bissau, nome pelo qual é carinhosamente tratado pelos seus apoiantes, é também ideólogo do programa Terra Ranka (Terra Arranca), um guia para o desenvolvimento do país, que já recebeu apoio dos parceiros internacionais.
Se perder, disse que põe o lugar de presidente do PAIGC à disposição, mas não abandona a política porque o país "precisa de todos os seus quadros".
O major-general na reserva, de 47 anos, foi primeiro-ministro entre dezembro de 2016 e janeiro de 2018. É apoiado pelo Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15), formação política criada por um grupo de dissidentes do PAIGC, partido que considera um "grande cancro" e o "eixo do mal no país".
Desde os 12 anos que o "general do povo", como é conhecido entre os seus apoiantes, quer ser presidente. Depois de ter vivido a infância entre Gabu, no norte do país, e Bissau, licenciou-se em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa. Tem ainda um mestrado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Internacionais de Madrid e um doutoramento em Relações Internacionais pela Universidade Complutense de Madrid. Além do português, fala espanhol, inglês, francês, árabe e swahili.
Especialista em temas de defesa e segurança, foi conselheiro e colaborador de vários líderes africanos, incluindo o histórico líder líbio, Muammar Kadhafi. Em outubro foi acusado pelo primeiro-ministro guineense, Aristides Gomes, de tentativa de golpe de Estado. "É calúnia, é mentira. Não estou no ativo", disse à Lusa Umaro Sissoco Embaló.
Os adversários políticos criticam-no por assumir um discurso étnico e religioso, ligado ao extremismo islâmico, principalmente depois de a sua "imagem de marca" na campanha eleitoral para as presidenciais ter ficado associada ao lenço vermelho e branco que usa na cabeça, tal como a maioria dos seus apoiantes.
Às acusações dos adversários, responde que é um muçulmano casado com uma católica e um homem de paz e que usa o lenço porque gosta e para se proteger do calor.
"Para mim a política é um exercício, como futebol e outros, para mim não é uma questão de vida e morte. Eu já vivia antes de ser político e no dia que sair da vida política vou continuar a viver", afirmou Umaro Sissoco Embaló. Numa entrevista à agência Lusa lembrou que para si "a política é uma questão de opção. É por isso que digo sempre às pessoas que fui para a política para contribuir, não para ganhar. Tenho uma vida normal e sou uma pessoa muito humilde", afirmou.
"Antes de ser primeiro-ministro vivia nesta casa, continuei a andar na minha viatura e a levar a mesma vida. Os amigos que tinha antes de ser primeiro-ministro são os mesmos que tenho depois de sair [do cargo] de primeiro-ministro. Continuei nesta casa a levar a mesma vida", disse numa entrevista à agência Lusa, dizendo que se não for eleito a sua vida vai continuar.
Caso ganhe as eleições, não quer gastos em festas de tomada de posse, porque o país não tem dinheiro. Ao povo prometeu que se for eleito "haverá paz, estabilidade, credibilidade e irmandade para os guineenses e respeito mútuo", tendo também deixado a porta aberta a nomear Simões Pereira como primeiro-ministro.
"Se eu for eleito e o PAIGC me apresentar uma nova maioria, nomeio o Domingos Simões Pereira como primeiro-ministro e mostro a Domingos Simões Pereira como podemos coabitar sem preconceitos de raça, etnia e tribos", afirmou numa entrevista à Lusa. O major-general na reserva afirmou que tem de aproximar Domingos Simões Pereira, presidente do PAIGC, de "muçulmanos, fulas e balantas" para que possa mudar de ideias.
"Vou ser aquele presidente que de manhã se levanta e pergunta ao primeiro-ministro qual é o problema que há, porque há interdependência e não posso subestimar o primeiro-ministro porque sou o presidente arrogante", afirmou, prometendo oportunidades iguais para todos.
Na campanha para a primeira volta disse que iria acumular a presidência com a pasta da chefia dos Negócios Estrangeiros e sugerir que os traficantes de droga sejam condenados à morte. O antigo primeiro-ministro garantiu também que vai expulsar do país a força de interposição da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a Ecomib, destacada no país desde 2012.