Roubo, à descarada, o título do livro da minha colega jornalista Helena Garrido, porque ele é, provavelmente, o mais feliz de todos (o título e o livro, já agora) os que já foram escritos sobre o que aconteceu no banco público. Alguém meteu a mão na Caixa Geral de Depósitos e nós, que ainda hoje estamos a pagar essa fatura, temos todo o direito de saber quem foi..Facto: o maior banco português, do qual somos todos "acionistas", teve uma das maiores injeções de capital da história da democracia. Mais de cinco mil milhões de euros. Assim. De uma assentada. Decore bem este número: 5 000 000 000 de euros..Facto: uma injeção de capital desta dimensão só foi necessária porque, durante anos, a Caixa Geral de Depósitos emprestou dinheiro para negócios que vieram a revelar-se ruinosos. Muitas vezes sem critério ou, no pior dos cenários, com critérios muitos duvidosos. As chamadas imparidades terão chegado aos três mil milhões de euros. Parte desse dinheiro foi dado como perdido. Ou seja, já ninguém acredita que possa ser recuperado..Facto: nenhum diretor, gestor, empresário, administrador ou responsável político foi até hoje, direta ou indiretamente, responsabilizado por isso. Nem um cêntimo lhes saiu do bolso. Nem um é arguido..Nós por cá, sempre que temos um tema importante para debater, gostamos de desviar o assunto. Adoramos desviar a conversa para o acessório, em vez de nos focarmos no verdadeiro problema..Foi assim há um ano, quando o Parlamento viveu um dos períodos mais ridículos da sua história e permitiu que se criassem duas comissões de inquérito, absolutamente inúteis, em torno da Caixa Geral de Depósitos..É assim agora, com o resultado da auditoria feita à Caixa, pela E&Y, onde para o Banco de Portugal e para o governo o mais importante não são as conclusões que lá constam, mas a proteção do sigilo bancário. Esse instrumento tão útil em situações como esta, mas absolutamente dispensável quando o ministro das Finanças precisa de mais uns milhões de receita e já não se importa de utilizar os bancos como uma espécie de Big Brother do fisco..E assim, com um debate paralelo sobre o sigilo bancário, deixamos de discutir o essencial deste caso: quando, quem e como saíram milhares de milhões de euros de empréstimos da Caixa Geral de Depósitos que nunca foram recuperados. Com que critérios foi emprestado esse dinheiro. Que análise de risco foi feita? Se é que foi feita. Que interesses serviu a Caixa Geral de Depósitos durante anos? E quem os serviu?.Compreendo bem que as respostas a estas perguntas podem mudar definitivamente a perceção que temos sobre várias empresas e empresários da nossa praça. Sobre muitos dos gestores que passaram pela administração da Caixa Geral de Depósitos. E, sobretudo, pelos responsáveis políticos que os nomearam. Compreendo bem que, em ano de eleições, possa não ser muito conveniente ficarmos a conhecer melhor as ligações perigosas entre políticos, gestores públicos e empresários que tratavam os dois primeiros como marionetas. Compreendo bem o incómodo, mas nós temos o direito de saber..E não é a investigação judicial, que o Ministério Público tem em curso desde 2016 - muito antes do relatório da E&Y -, que pode impedir esse conhecimento. Se passamos a vida a ouvir os responsáveis políticos dizer que o tempo da justiça não é o tempo da política, então está na altura de aplicar o cliché..Este é o tempo da política e a política já vai atrasada. Este é o tempo de dar a conhecer ao Parlamento a auditoria da E&Y e de obrigarmos os deputados a retirarem conclusões sobre ela. É agora o tempo de o governo parar de empurrar com a barriga este incómodo - que afeta, e de que maneira, o Partido Socialista, mas também o PSD - e assumir, de forma transparente, perante o país, o que aconteceu na Caixa. A justiça cumprirá o seu papel. Mas, para já, mais do que saber se foram praticados crimes no banco público, nós precisamos de saber, antes de irmos votar, se houve incompetência. Se houve favores políticos. Se o PS, o PSD e o CDS - os três partidos que governaram - nomearam boys para a Caixa Geral de Depósitos ou gestores competentes..Eis um último argumento para sabermos aqui e agora o que se passou: enquanto esta discussão sobre a Caixa Geral de Depósitos se arrastar desta forma, não há inocentes. Todos são culpados. E, seguramente, alguns são inocentes. Nem todos os empréstimos terão sido concedidos sem análise de risco, por amiguismo ou favores políticos. Alguns, que correram mal, correriam sempre mal. É a vida. Faz parte do negócio. Nem todos os gestores que passaram pela Caixa são corresponsáveis pelo buraco financeiro do banco. Talvez alguns o tenham tentado evitar. Nem todos os responsáveis políticos fecharam os olhos. Alguns, quem sabe, nem viram o que se estava a passar à sua frente..Quanto mais cedo soubermos quem meteu a mão na Caixa Geral de Depósitos, mais cedo podemos ilibar os inocentes. Responsabilizar os que são, pelo menos, moralmente culpados. E depois aguardar pacientemente que a justiça cumpra o seu papel.