Silêncio que se vão ouvir os órgãos do convento de Mafra. Os seis
O Evangelho, o Epístola, no altar--mor, o São Pedro d"Alcântara, o Sacramento, o Conceição e o Santa Bárbara, junto às capelas com estes nomes, voltam a ouvir-se hoje, na primeira atuação do 5.º ciclo de Concertos a Seis Órgãos que o Palácio-Convento Nacional de Mafra organiza desde a recuperação deste conjunto.
João Vaz, professor de órgão na Escola Superior de Música de Lisboa e um dos músicos que estiveram ligados à nova vida destes instrumentos, senta-se no banco do Epístola, um exemplar construído por Joaquim António Peres Fontanes, e ensaia algumas notas. O som ecoa pela basílica, potente. O músico mostra os detalhes - a decoração em bronze dourado - e explica: "É raro encontrá-los tão luxuosos." Mais ainda, encontrar seis juntos. "Construídos ao mesmo tempo não existe em mais parte nenhuma", frisa.
"Construídos ao mesmo tempo não existe em mais parte nenhuma", frisa. "Quando foi projetado, já tinha espaço para os seis órgãos", acrescenta. De tal forma que os órgãos, relembre-se a história, não estavam prontos na cerimónia de sagração, a 22 de outubro de 1730, dia escolhido por ser o do aniversário de D. João V, o monarca que mandou construir o palácio, e ser domingo o único dia da semana em que se podia realizar esta cerimónia religiosa. "Foram usados uns órgãos portáteis", conta João Vaz.
Aliás, os seis instrumentos ouviram-se finalmente juntos, a 4 de outubro de 1807, dia de São Fran cisco, o santo de eleição de D. João VI, e ficaram mudos até 2010, quando terminou o restauro de 12 anos, e pela primeira vez em 203 anos se ouviram todos juntos. Com peças escritas ou adaptadas nesse início do século XIX. Algumas delas serão tocadas hoje, como L'Oro Non Compra l"Amore , com um arranjo do compositor Marcos Portugal, ou uma adaptação de João Vaz de Marche de Jean-Baptiste Lully, do século XVII.
Pelas entranhas do palácio, atrás de pesadas portas de madeira e por lanços de escada muito íngremes, chega-se até aos órgãos e até ao púlpito, um de quatro que ficam nos cantos da cruz da basílica. Serve para o regente da orquestra. Desse improvável local, os seis organistas podem vê-lo - coisa que nem as lentes das máquinas fotográficas conseguem. Hoje, os músicos também usam um sistema de vídeo. Mário Pereira dos Santos explicava que um dos alunos do curso de música antiga, que decorreu nesta semana, lhe disse que não o tinha conseguido ligar, "mas em 1807 não havia vídeo"...
O uso dos órgãos é uma espécie de extensão do programa de restauro, notam o diretor e o organista. "Existe um problema. As coisas são restauradas e depois acaba tudo", nota o diretor do palácio, há sete anos a percorrer os corredores e salas projetados por João Federico Ludovice a pedido de D. João V, no tempo em que Portugal não se queixava de falta de liquidez. Depois da intervenção, foi assinado um acordo de manutenção, explica Mário Pereira dos Santos. Dinarte Machado, que esteve à frente da reabilitação entre 1998 e 2010, continua a cuidar dos seis ai-jesus de Mafra. "Houve a preocupação de manter uma atividade continuada a partir do restauro. É assim que nascem os concertos nos primeiros domingos de cada mês (vão decorrer até dezembro). E "está combinado com o organista da paróquia que é preciso que ele toque cada domingo em seu órgão". Todos são diferentes.
E os artistas também têm os seus preferidos. Margarida Oliveira, Daniela Moreira, Isabel Albergaria, Diogo Pombo Rato, David Paccetti Correia e Sérgio Silva são os organistas que costumam tocar juntos na basílica. A uma altura de três andares do solo e a mais de dez metros de distância uns dos outros. "Não parece mas é", dizem João Vaz e Mário Pereira dos Santos. Hoje, como aconteceu no passado com os carrilhões, há organistas de todo o mundo a quererem sentar-se nestas cadeiras.
Os concertos acontecem todos os primeiros domingos do mês e custam três euros por pessoa. A basílica tem lugar para 700 pessoas.