Portugal tem uma tradição humanista e solidária invejável que está ilustrada, aliás, no nosso percurso artístico, cultural e democrático. O papel histórico de interface de civilizações conferiu-nos o elã de interlocutor privilegiado de culturas e o laço afetivo com a nossa vasta diáspora fomentou em nós a ideia de que, quem espera tolerância, tem necessariamente de praticá-la. A isto juntámos Abril e os valores da liberdade, plasmados numa Constituição assente na dignidade social e na igualdade. Por si só, no entanto, a ideia enraizada dos nossos "brandos costumes" poderá acarretar o perigo de nos esquecermos de averiguar ciclicamente se a sua brandura ainda perdura..Só alguém abstraído do contexto global dará a democracia e a igualdade por garantidas. Não é preciso sair do espaço lusófono para perceber isso. Bolsonaro, que já em campanha tinha prometido acabar com o "coitadismo", ao referir-se a minorias, deixou clara a promessa, no seu primeiro discurso oficial, de combater a "ideologia de género". É cada vez mais frequente o ataque à democracia pelo deturpar da reivindicação dos direitos das minorias. Infelizmente, há quem atribua um certo cariz de "luta por privilégio" ao ato da reivindicação justa, querendo silenciá-la. Convém afirmar, alto e de viva voz, que o direito à igualdade e à dignidade social nunca será um privilégio, mas sim um direito em absoluto. É excessiva esta afirmação? Creio que não. A discriminação e o racismo alimentam-se mesmo é de silêncio..Por cá, os recentes episódios de violência trouxeram a questão da discriminação racial novamente à baila. É evidente que é preciso reconhecer que Portugal, felizmente, em matéria de conflitos com a dimensão dos que recentemente aconteceram, tem pautado pela relativa serenidade. Quererá isto dizer que em Portugal não há preconceito? Negar a existência do preconceito, para além de perigoso, pode indiciar condições para que este ocorra..O conceito de diferença, em contexto de discriminação, tem novos contornos e é entendido hoje como mais transversal. Matizes como cor, etnia, credo e género estão esbatidos e a vítima tem uma voz que não tinha. Também o combate ao racismo deverá ganhar novas diretrizes. Mais útil do que dar voz mediática ao discurso xenófobo, será darmos palco à luta contra o mesmo. Útil também é levar as mais variadas instâncias e entidades a abandonar a sua área de conforto institucional. Nesta legislatura, em que entraram em vigor importantes alterações à lei da discriminação racial, caminhamos para a consciência de que a nível institucional e em matéria de discriminação racial, violência de género e igualdade, é pela formação que se fará a diferença e pelo diálogo que se concretizará a democracia..Deputada do PS