Sidney Poitier, um príncipe em Hollywood
Ter Sidney Poitier (1927-2022) a narrar momentos da sua vida diretamente para a câmara não podia ser menos do que um privilégio. É por aí que o documentário de Reginald Hudlin começa por surpreender o espetador que se prepara para a tradicional colagem de arquivos, com cabeças falantes pelo meio. Claro que não deixa de haver esses testemunhos - e temos Morgan Freeman, Spike Lee, Barbra Streisand, Denzel Washington, Quincy Jones, as filhas de Poitier, etc. -, mas é o modo como o ator conta os pequenos espantos do seu contacto com o mundo, desde o encontro com um espelho à descoberta do metro de Nova Iorque, que transforma Sidney num documento vivo. Como o próprio faz questão de dizer, esta é a biografia de alguém que nasceu dois meses prematuro; o mais provável era não ter sobrevivido. Para Oprah, ele foi um facto. Para Freeman, uma luz.
Tudo na história de Poitier vai dar ao momento em que venceu o Óscar de melhor ator, por Os Lírios do Campo (1963), de Ralph Nelson, tornando-se o primeiro negro a alcançar a estatueta nessa categoria - Hattie McDaniel antecedeu-o como a primeira afro-americana oscarizada num papel secundário (a criada em E Tudo o Vento Levou) que desempenhou 74 vezes... Mas voltando a Poitier, o percurso deste brilhante ator define-se pela singularidade e complexidade do seu lugar em Hollywood. Não só foi ele que interrompeu o ciclo de personagens pouco dignas para a comunidade negra, tendo-se estreado no grande ecrã no papel de um jovem médico, em Falsa Acusação (1950), de Joseph L. Mankiewcz, como acabou por ser considerado por alguns membros dessa mesma comunidade "um negro demasiado branco". Corria o ano de 1967 quando três produções desenharam o seu estatuto de estrela: O Ódio Que Gerou o Amor, de James Clavell, No Calor da Noite, de Norman Jewison, e Adivinha Quem Vem Jantar, de Stanley Kramer.
São mais do que conhecidos estes marcos de uma carreira construída em simultâneo com uma imagem pública que fez a diferença e não podiam faltar num documentário que pica os pontos essenciais. Sentimos falta de algumas referências mais raras, como o filme Band of Angels (1957), de Raoul Walsh, por exemplo, mas é interessante vislumbrar, por outro lado, a faceta do Poitier realizador.
Em prol do trabalho de Hudlin, é preciso dizer que o realizador encontrou soluções visuais bastante criativas e sóbrias, em várias ocasiões dividindo o ecrã ora na vertical ora na horizontal. Não há abundância de fotografias ou vídeos caseiros; quase só excertos de entrevistas, imagens históricas e reproduções de ambientes de época que ajudam a imergir na narrativa do adolescente que saiu das Bahamas, pobre, para se fazer à vida, derrubar o racismo e chegar a príncipe na indústria do cinema americano.
São muitos os que sublinham a sua elegância natural, fotogenia e, sobretudo, seriedade. A mesma que, como diz Oprah, "humanizou a imagem dos negros no cinema". Ao explorar o legado de Poitier, Sidney, o documentário, procura corresponder ao homem, ator e cidadão que estava muito para além da sua cor de pele. É fundamental celebrá-lo sempre.