Sherlock Holmes, um detective para a década

Fomos a Londres à apresentação de <i>Sherlock Holmes,</i> de Guy Ritchie, a versão comercial do clássico de Conan Doyle, com Robert Downey Jr. e Jude Law. Falámos com as estrelas e o compositor, e percebemos o espírito de reinvenção que aqui se tenta. O filme já está nos cinemas…<br /><br />
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Num edifício maçónico de Londres, a imprensa sul-americana, inglesa, asiática, americana e europeia é convidada para uma espécie de conferência/almoço com as estrelas de Sherlock Holmes, o novo filme de Guy Ritchie, uma tentativa de modernizar o detective mais amado do mundo. As coisas não começam muito bem quando alguém da Warner Bros. avisa à última hora que os «talentos» estão atrasados no trânsito e que Rachel McAdams, que interpreta uma ex-amante de Holmes que é ao mesmo tempo uma vilã de respeito, está adoentada e já não vem. Mas quando Robert Downey Jr. e Jude Law chegam às salas os espíritos animam-se. Downey Jr., nota-se, está orgulhoso do seu Sherlock, muito próximo da comédia devido a uma aproximação que vai cem por cento pela via da excentricidade. Temos pois um detective que nunca diz «elementar, meu caro Watson», toca violino de forma estranha, é anti-social, tem o cabelo desgrenhado, a roupa enxovalhada e péssimos hábitos de higiene. Para compensar, tem abdominais de rapaz de 20 anos, corre como um louco, tem um humor venenoso e uma pose de super-herói. Enquanto isso, o Watson de Jude Law pode coxear mas também tem pose de side-kick. Um Watson galã e nada velhote como em outras encarnações cinematográficas. Para a Warner e Guy Ritchie o segredo aqui é modernizar o mito da personagem de Conan Doyle, um Sherlock para a nova geração, com perseguições, erotismo e muita explosão. Porque não um filme de acção? Sim, e se correr bem comercialmente um franchise com possibilidades de sequelas, não por acaso, este acaba com a porta aberta a uma continuação com o arqui-inimigo Moriarty, que supostamente poderá ser interpretado por Brad Pitt. Quando perguntamos a um muito irónico Downey Jr. sobre como é representar em câmara lenta, o actor, já recuperado do sotaque inglês, tenta ser sério: «São takes de sete segundos e nesses planos em slow motion vemos coisas que nunca veríamos de outra forma. O truque é tentar fazer o menos possível… Claro que com essa técnica não temos direito a duplos. Curiosamente, nesses momentos de luta, o Guy Ritchie deu-me as indicações mais estranhas que alguma vez já recebi: dizia-me para representar como se estivesse a provar manteiga de amendoim, vá lá imaginar-se… Por acaso, resultou!» Deve ter mesmo resultado: a sua interpretação teve direito a nomeação para os Golden Globes (há uns tempos esperava-se que se ele fosse nomeado seria por O Solista. Felizmente, houve bom senso…). Mais uma coroa de glória para este renascido Downey Jr, que na primeira década do século deixou as drogas e conseguiu uma impensável carreira como estrela de lista A, mercê de grandes interpretações em Homem de Ferro e Kiss Kiss Bang Bang. Segundo Jude Law, trabalhar com ele foi apenas prazer: «Ficámos bons amigos», diz, enquanto Downey Jr. o olha fixamente, numa espécie de rábula de teatro de humor físico. E mais a sério completa: «Mal o conheci começámos logo a trabalhar. Ambos quisemos que esta fosse a melhor versão possível de Sherlock Holmes. A nossa relação foi tão boa que agora devíamos estar a fazer comédias românticas juntos! Mas atenção, isto não é uma comédia. Se quisermos, é uma história de amor… Enfim, eu e o Jude completámo-nos. Fizemos realmente uma boa equipa. O melhor feedback que temos tido é quando nos dizem que este é um filme sobre estes dois amigos, Watson e Holmes. E o Guy Ritchie criou uma atmosfera mesmo sublime durante a rodagem. Uma rodagem em que nós não tínhamos a certeza de que o conceito pudesse resultar. Demos tudo por tudo.»
Rodado nas ruas mais intactas de Londres, Liverpool e Manchester, Sherlock Holmes foi depois retocado nos estúdios de Nova Iorque para dar um realismo maior a esta Londres vitoriana. Obviamente, houve também muitos efeitos visuais, sobretudo para dar vida a uma Ponte de Londres ainda em fase de construção. Nota-se, sente-se, que é um filme de grande orçamento. Por isso, Downey Jr. realça a maneira como todos se sentiram numa Londres de outros tempos: «De alguma forma, houve como que uma bênção. Sentimo-nos realmente dentro daquilo que era a visão de Sir Arthur Conan Doyle, mas ao mesmo tempo quisemos dar um pouco a volta. Por exemplo, não é mistério alghum mostrarmos que não foi o Sherlock quem descobriu o silenciador. Se foi ele mesmo, então fez um trabalho muito mau… No geral, o objectivo foi honrar Doyle e ser simultaneamente um filme de entretenimento.» Enquanto diz isso, o seu colega britânico olha-o com um ar embevecido. Pressente-se que os ingleses já adoptaram Robert Downey Jr. Sobre o filme, Law concorda que é uma releitura do maior detective do mundo: «O coração do filme é o drama pessoal de Sherlock conjugado pela maneira como resolve os casos cerebralmente. Mas o interessante é que vemos igualmente o Dr. Watson e Holmes a sujarem as botas e a entrarem no meio da pancadaria… Foi muito divertido. Para mim, é sempre muito bom voltar à minha cidade para filmar.»
Quando começou a produção, Joel Silver, o produtor, tinha uma pequena dor de cabeça para a competição: outro projecto em que Sasha Baron Cohen era o protagonista. Mais de um ano depois, a concorrência ainda está na fase de pré-produção e talvez esse projecto nunca venha a ter luz verde. Nestas coisas de dois filmes com o mesmo tema/personagem, o truque é filmar o mais rapidamente possível. Ainda assim, este Sherlock Holmes não parece feito à pressa. E já no final deste encontro com a imprensa Downey Jr. baixa o número cómico e fala do seu passado: «Há uns anos eu não valia grande coisa. Já nem me lembro do que era bom e do que era mau. Lembro-me apenas de que durante a rodagem de Chaplin achei a comida em Inglaterra pavorosa. Agora, quando cá venho, encontro muitos restaurantes bons.» Este é o novo Downey Jr,, divertido, bem casado e sem drogas. Mas não deixa de ser surreal olharmos para esta excêntrica personagem e repararmos que desta vez não há consumo de ópio...

Hans Zimmer
Folk, pois então!

Para muitos, o homem que fez a banda sonora de Rain Man – Encontro de Irmãos, Gladiador e dos três Piratas das Caraíbas é o maior compositor de Hollywood. A música que este alemão faz é um barómetro da mudança dos tempos na contemporânea Hollywood. Para Sherlock Holmes criou uma sonoridade que nos faz mergulhar no ritmo e numa Londres escura e movediça. Com «pica», com uma «pica» danada.

Apesar de se perceber a sua marca, desta vez é como se o seu som se anulasse perante a música folk britânica.
Sim, mas também há sonoridades alemãs, mais concretamente Kurt Weill. Essa coisa do folk partiu como algo de divertido que podíamos fazer. O Guy Ritchie gosta muito de folk e ao mesmo tempo quis fazer este blockbuster numa escala pequena, quase como se fosse um pequeno filme indie. Ele mantém em absoluto o seu estilo.

Ao conversar com Guy Ritchie ponderaram fazer uma banda sonora ainda mais anacrónica? Pergunto isto porque a ideia-base era actualizar Holmes…
Nem chegámos a falar sobre isso. Apesar de o Guy ser um melómano, deixa-me fazer o meu trabalho sem interferências. O melhor de tudo é que durante a produção da música ele passa algum tempo no estúdio com os músicos. É como se ele fosse parte da banda.

Mais do que em alguns casos, a música aqui pontua realmente o ritmo das cenas mais climáticas…
É verdade, esforcei-me muito para tentar compreender toda esta estrutura e como seria melhor servir a cadência das cenas.

Por ser uma partitura tão diferente sentiu que estava a correr um risco?
Qualquer banda sonora que componho é um risco. Veja o que fiz com O Cavaleiro das Trevas! Aí só trabalhei com duas notas e esse era um filme gigantesco. Em relação a Sherlock Holmes fui o último a entregar o trabalho. Senti toda a pressão.

Diário de Notícias
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