Seu Jorge tem saudades de Dona Cesária, que um dia disse "não" a Madonna

O Kriol Jazz vai crescer: palco maior, outros países, Lisboa na mira. Nesta edição, recordou-se Cesária... e o interesse de Madonna pela música de Cabo Verde
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"A primeira coisa que eu senti quando cheguei aqui foi saudade da Dona Cesária", dizia Seu Jorge aos jornalistas, antes do concerto de sexta-feira, referindo-se a Cesária Évora, com quem há cerca de 20 anos fez uma digressão pelos Estados Unidos. O músico brasileiro contaria ainda ter descoberto recentemente que uma das suas bisavós nasceu em Cabo Verde. Perguntam-lhe se sabe que, se tal se provasse, ele poderia pedir a nacionalidade cabo-verdiana. "Eu vinha para cá correndo", gracejou o autor de Carolina ou Pretinha.

Foi a afluência à Praça Luís de Camões, na Cidade da Praia, que esgotou a lotação nesse dia para ouvir a voz rouca que sai daquela figura de óculos de sol e gorro na cabeça que pôs José (Djô) da Silva, que dirige o Kriol Jazz, a pensar que talvez fosse hora de dar ouvidos a um pedido que vem já de trás, ao longo das dez edições do festival, para que se mudasse o evento para um espaço maior. "Eu não estava muito convencido. Gosto muito dessa praça. Mas ontem comecei mesmo a pensar, porque fiquei triste quando vi que algumas pessoas não conseguiam ver o artista. Vi uma menina que desistiu de tentar ver, e ficou assim de olhos fechados a cantar as músicas. Eu chamei logo o Russo [que também é músico dos Tubarões]: Vamos pensar qual é o melhor sítio."

Além da possível mudança de lugar, uma das possibilidades cada vez mais evidentes para o Kriol Jazz, mantendo a sua presença na Cidade da Praia, é a exportação para outros países. "Com as Ilhas de Reunião as negociações estão muito avançadas, a primeira edição deve ser no no que vem, no mês de setembro. Queremos também tentar fazer alguma coisa em Lisboa.", adiantou José da Silva ao DN.

O produtor de Cesária lembra-se dessa digressão que fizeram com Seu Jorge. "Em 2000/2001 fizemos uma tournée nos Estados Unidos e o agente da Cesária acabava de assinar com Seu Jorge, que ainda não era muito conhecido lá. O agente pediu se ele podia fazer a primeira parte dos concertos, e a Cesária disse que sim. Passámos duas semanas juntos. Ela só falava com ele em crioulo, e eles entendiam-se. Houve muita tocatina [encontro informal em que se toca música em grupo, algo quase omnipresente em Cabo Verde] nos bastidores entre os músicos".

Perguntamos a Djô da Silva como tem visto a afeição pela música cabo-verdiana que Madonna tem demonstrado desde que se mudou para Lisboa. "Tem o seu lado bom e o seu lado mau. Dá uma visibilidade muito boa à música de Cabo Verde, mas pelo que oiço do que se está a passar ela está a exagerar um pouco. Quer ter os artistas a cantar para ela gratuitamente, sem poderem sequer tirar uma fotografia com ela. Acho isso pouco normal. Ela nunca iria cantar numa coisa privada sem receber milhões. Não estamos a pedir isso, mas que ela pense que eles também têm de assumir custos na vida deles." E o que faria a diva dos pés descalços? "Cesária não aceitou ir cantar ao casamento da Madonna, porque - não sei se é culpa da Madonna ou das pessoas que nos abordaram - mas impuseram que seria só um pianista [a acompanhar]. Cesária não gostou. [Disse:] 'A Madonna não aceita cantar sem a banda dela. Eu tenho uma banda. Vou, mas com a minha banda.' Eles disseram que não podia ser e ela disse que não ia." Entre as duas, terá sobrado uma admiração mútua e gestos de amizade.

A noite em que o público esperava ansiosamente para ver Seu Jorge começara com Mário Lúcio, ex-ministro da Cultura cabo-verdiano, a apresentar o seu último disco Funanight. Depois viria a voz poderosa de Nathalie Natiembé, da ilha de Reunião, com o maloya que herdou já da sua avó, e a guitarra de Stanley Jordan, acompanhado pelos Thunder Duo.

A noite de sábado começaria com Sara Tavares a referir-se à capital cabo-verdiana como "Praiadiso", enquanto apresentava o seu último álbum, Fitxadu, num concerto que até a chuva, tão escassa ali, chamou. Ninguém parecia indiferente à voz da nigeriana e alemã Ayo, a cujo concerto o filho bebé assistia nos bastidores. Haveria de terminar cantando Petit Pays, de Césaria Évora, com um enorme coro crioulo à frente. A eférmera Kriol Band, criada para o 10.º aniversário do Kriol Jazz, juntou virtuosos como a baterista Yissi Garcia ou o saxofonista Jowee Omicil. Por fim, a noite acabaria com a energia dos nigerianos Bantu, com toda a praça a dançar naquele "pequeno país" que Cesária cantou: "Terra pobre chei di amor / Tem morna tem coladera / Terra pobre chei di amor / Tem batuco tem funaná."

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