"A Long Way Gone: Memoirs of a Boy Soldier" (2007) é uma autobiografia que conta a experiência de uma criança como soldado na guerra civil de Serra Leoa (1991-2002). Traduzido para português como "Brilho do Amanhã", o próprio autor é o protagonista. Depois de se perder da família, Ishmael viu-se na contingência de ser soldado para sobreviver, matando, ao mesmo tempo que pensava no seu futuro. Ishmael Beah nasceu em 1980. Tinha 12 anos quando a sua aldeia, Mogbwemo, foi atacada por rebeldes que lutavam na guerra civil e estabeleceram na região as suas próprias estruturas de Governo durante oito meses. Ele fugiu e vagueou pelo país até sofrer uma lavagem cerebral por uma unidade do exército que o forçou a usar armas e drogas. Aos 13 anos, ele havia perpetrado e testemunhado vários atos de violência, aspeto que alguns críticos do livro pensam ser altamente incomum, ou seja, uma uma criança ter passado por todos eles. Depois de ser resgatado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) aos 16 anos, foi adotado pelo seu tio Tommy e foi viver com ele e a sua família, nos arredores de Freetown. É nessa época que Ishmael é escolhido para falar na Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, sobre as suas experiências como criança-soldado e outros problemas que assolam o seu país. Durante a reunião da ONU, Ishmael conheceu várias outras crianças que também estavam enfrentando problemas nos seus países. Ele costuma afirmar que "o livro conta a história de muitas crianças". Em 1996, quando Ishmael retorna à Serra Leoa, Freetown está de novo em guerra. Houve muitas mortes de civis, incluindo a morte do tio Tommy por doença. Acreditando que não podia ficar em Freetown, por medo de se tornar de novo num soldado ou de ser morto pelos seus ex-amigos do exército, Ishmael decide fugir para os Estados Unidos. Passou a considerar que a sobrevivência a uma guerra é um ensinamento para a vida. A Serra Leoa ainda não é, presentemente, o país mais seguro do mundo. Localizado entre a Libéria, a Guiné e o Atlântico, tem na capital o polo de notícias sobre conflitos nas ruas, como antes teve sobre a epidemia de ébola (2014). Presentemente, Ishmael vê o seu país cada vez mais de longe, depois de ser aplaudido internacionalmente pelo seu livro autobiográfico. Viveu primeiro nos Estados Unidos da América e depois na Mauritânia. Ele é o fundador e presidente da The Ishmael Beah Foundation, que visa dar aos jovens melhores habilidades vocacionais por meio do estudo. Aliás, a mais importante literatura serra-leonesa tem como pano de fundo a história do povo, a situação socioeconómica, a natureza e os valores tradicionais. A propósito do livro referido, outro trabalho sobre o período de guerra civil é "Black Man"s Grave: Letters from Sierra Leone", uma coleção de cartas escritas por cidadãos do país durante o conflito. Juntas, elas retratam muitos aspetos do sofrimento que ocorreu. As cartas pessoais fornecem uma experiência emocional. Ambos os livros são semelhantes a outras obras escritas sobre outras guerras em África, lê-se em diferentes textos críticos. Creio que há nesta literatura contemporânea de origem africana conteúdos com muito para dizer e informar o mundo, porque é falando de si próprios que transmitem a diversidade, as dificuldades e a beleza do seu continente. De criança-soldado a autor de "best-sellers", Ishmael Beah é a prova viva de que qualquer criança tem um enorme potencial. Em criança, perdeu tudo para a guerra - até mesmo a vontade de sobreviver. Depois disso, pensou: "O que posso fazer agora?" Como embaixador da UNICEF, ele está a ajudar uma nova geração de jovens africanos a reivindicar os seus direitos..Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.