Será que os dentes do siso estão em vias de extinção?

Em teoria são quatro os dentes do siso, mas há cada vez mais pessoas que não os têm. São os últimos a nascer na cavidade oral e muito frequentemente trazem dor e infeções. Em extinção ou não, o melhor é vigiá-los com o seu médico dentista. Tirá-los na altura certa é essencial para manter uma boa saúde oral.
Publicado a
Atualizado a

A expressão dente do siso é derivada da latina dens sapientiae. São chamados "dentes do juízo" na linguagem popular por entrarem em erupção na época em que o jovem sai para o mundo para se tornar sábio - e, quando aparecem, considera-se que a pessoa tem melhor capacidade de julgamento do que uma criança.

De facto, chega mesmo a considerar-se este dente como uma "estrutura vestigial" que terá tendência a desaparecer com o evoluir da espécie, por seleção natural. Outro exemplo de "estrutura vestigial" seria o apêndice. O dente do siso é utilizado pelos evolucionistas para explicar a evolução da espécie e este ponto de vista foi inicialmente proposto por Charles Darwin, que concluiu: "Os molares posteriores [dentes do siso] foram-se tornando rudimentares nas raças humanas mais civilizadas. [...] Eles não cortam as gengivas até cerca do décimo sétimo ano e eu tenho certeza de que eles são muito mais sujeitos à degradação, e são perdidos mais cedo do que outros dentes."

Terá esta teoria fundamento científico? Estão de facto os dentes do siso em extinção?

Para áreas científicas como a antropologia e a genética, os terceiros molares são de grande importância porque desempenham um papel importante para a compreensão do processo de evolução. Devido às mudanças biológicas, culturais e evolutivas ao longo do tempo, os seres humanos deixaram de depender tanto dos terceiros molares. Uma conclusão importante da evolução é que a nossa mandíbula encolheu do tamanho muito maior de macaco para o moderno, que é menor, à medida que os humanos evoluíram. Em resumo, a evolução produziu "um aumento no tamanho do cérebro às custas do tamanho do maxilar inferior".

A pesquisa indica, porém, que as razões para a maioria dos problemas de terceiros molares, na atualidade, não são as mudanças evolutivas, mas outras. Estas incluem a mudança de uma dieta abrasiva - alimentos mais duros - para uma dieta ocidental mais mole, a falta de acesso à medicina dentária adequada e os fatores genéticos, possivelmente incluindo mutações.

Os "dentes do siso" ou terceiros molares existem no ser humano, mas aparecem relativamente tarde, entre as idades de 20 e 30 anos - e, em muitas pessoas, nunca chegam a nascer, ficando impactados (cobertos por gengiva ou mesmo inclusos, cobertos por osso e gengiva). Esta chamada "agenesia" (ausência congénita de dentes permanentes) pode ser parcial (quando não têm alguns) ou total (quando não se forma nenhum destes dentes).

Numa grande percentagem de pessoas, não chegam a ter função, são inúteis e muitas vezes precisam de ser removidos cirurgicamente. A perda de um órgão na evolução como resultado do desuso, também chamada de evolução Lamarckiana, foi completamente refutada. A crença de que os dentes do siso são órgãos vestigiais que não têm função no corpo (como se acreditava anteriormente para o apêndice) é menos comum hoje, mas ainda existe.

A verdade é que é cada vez mais frequente nas gerações mais jovens não existirem alguns ou mesmo nenhum dente do siso. No início do meu percurso, como docente do departamento de Cirurgia Oral da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, tive a oportunidade de conduzir um estudo que visava classificar a posição do "terceiro molar inferior incluso". Nessa altura os dentes inclusos apareciam com mais frequência. Apenas cerca de 20 anos passaram e não seria natural notar qualquer diferença, mas a verdade é que a evolução humana, na sua forma de adaptação ao meio que nos rodeia, é cada vez mais acelerada - e, na minha vivência clínica, deparo-me com o facto de aparecerem cada vez mais pessoas sem um ou mesmo sem nenhum terceiro molar.

Ainda assim considera-se entre os cientistas que "a hipótese de que há uma tendência evolutiva para o desaparecimento do siso é tentadora, mas falta uma base factual maior a sustentá-la. Em termos prospetivos, é difícil assegurar que haverá uma tendência ao desaparecimento - mesmo se estivermos certos de que hoje a presença do terceiro molar seja desvantajosa, isto porque não sabemos como será o futuro".

Em extinção ou não ... a extração na altura certa é essencial para manter uma boa saúde oral e para evitar episódios dolorosos ou infecciosos. As consequências da não remoção dos dentes do siso, na altura certa, podem variar de pequenas cáries nos dentes do siso ou nos dentes adjacentes (segundos molares), passando por doença gengival, até infeções como pericoronarites (infeção da gengiva que circunda ou cobre estes dentes).

Há ainda a considerar, embora não seja tão frequente, a hipótese de se desenvolverem quistos ou tumores associados à membrana que cobre o dente do siso incluso, por isso é tão importante que o médico dentista possa vigiar e decidir se e quando deverá ser feita a extração. Conte com o médico dentista para o orientar neste percurso e tomada de decisão.

Clara Panão, especialista em Medicina Dentária no Hospital CUF Torres

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt