Ser ou não ser bicicleta, eis a questão
Quando, em 2007, Rui Figueira e Tânia Assis se aventuraram a investir 102 mil euros na compra de 12 bicicletas com cabina e motor, pretendiam apenas montar um negócio virado para o turismo ecológico no centro de Lisboa, semelhante a várias capitais europeias, como Londres, Paris ou Roma. O projecto até começou animado, mas foi suspenso em 2008, quando os veículos puseram as rodas na rua, porque não está definido do que realmente se trata. Há quem assegure ser uma bicicleta, outros lembram as semelhanças com os riquexós chineses, mas há quem lhe chame simplesmente uma... "coisa".
Enquanto a falência da empresa CityCruisers espreita, com os veículos parados há quase um ano, o "jogo do empurra" prolonga-se pelo tempo, entre a Câmara Municipal de Lisboa, Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres (IMTT) e Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), levando os empresários a admitirem vir a avançar com uma manifestação, saindo à rua com bicicletas este mês.
"A paciência atingiu o limite, porque a autarquia diz que o IMTT não define o que é. O IMTT já nos disse que é uma coisa, porque a legislação não define bem do que se trata, e remeteu-nos para ANSR. Aqui disseram-nos que a função deles era fiscalizar o trânsito e que terá de ser o IMTT a decidir. Como se não bastasse, o IMTT respondeu-nos que cabe à câmara criar um regime de excepção se achar que há vantagens neste serviço", relata Rui Figueira. Resultado: a CityCruisers ainda não conseguiu o visto do Departamento de Ocupação de Espaço Público da CML.
Os city cruisers (veículos de transporte para dois passageiros com tracção a pedal, auxiliado por um motor eléctrico de 250 watts) até começaram por ser incentivados pela autarquia da capital e pelo Turismo de Portugal, no momento em que Rui Figueira e Tânia Assis os apresentaram. Afinal, é um transporte bem conhecido em vários países europeus.
Trata-se de uma construção alemã com recurso a materiais recicláveis, que circula a 11 quilómetros por hora, mas que, segundo a resposta que a empresa diz ter obtido da antiga Direcção-Geral de Viação (DGV), não necessitará de homologação nem de chapa de matrícula. A DGV não duvidou em classificar o veículo de "bicicleta". Porém, como se destinava a transportar passageiros (tem capacidade para duas pessoas), o alvará só foi passado mediante a realização de três seguros: responsabilidade civil de actividade, transporte de passageiros e respectivos bens e danos próprios.
Depois de uma formação em Barcelona, os responsáveis avançaram para a contratação de 24 pessoas, habilitadas a conduzir os veículos - todos eles com carta de condução, embora não fosse obrigatório -, conseguindo a empresa City-Cruisers que a autarquia lhe atribuísse espaços na Praça da Figueira e Terreiro do Paço.
Em meados de Junho de 2008, Lisboa conhecia um novo meio de transporte amigo do ambiente, que se assemelha aos riquexós chineses. Mas, em finais de Agosto - há precisamente um ano -, a actividade era suspensa.
"Ficámos sem condutores, porque se começaram a sentir perseguidos pela Polícia Municipal, que também não sabe que veículo é aquele", lamenta Tânia Assis, revelando que a empresa ainda só pagou uma das cinco multas (no valor de 30 euros) que foram passadas por estacionamento em cima de passeios, aguardando que as restantes cheguem a tribunal. "Talvez o juiz decida se temos razão, porque estas bicicletas podem estar nos passeios", sustenta a empresária
Tânia Assis deixou de recrutar pessoas para não agravar o prejuízo, após se ver forçada a guardar os veículos num armazém. A autarquia deu o dito por não dito e mandou a empresa retirar os veículos dos locais inicialmente destinados - porque iriam entrar em obras. A alternativa inicial foi o Campo das Cebolas. "Dias depois escreveram a dizer que o Campo das Cebolas também ia para obras e que devíamos ir para a Praça Duque de Cadaval [ao Rossio]. Tratámos da papelada toda, quando nos escrevem a dizer que também não podia ser porque tinha havido um engano. Pediram- -nos para sermos nós a sugerir, mas continuamos à espera que alguém resolva isto quando já estamos em Agosto e falta pouco para terminar a nossa época de negócio", conclui Rui Figueira.