Ser mulher, cientista ou chefe? Cada uma é como é
Quando fala da paixão pela ciência, os olhos negros iluminam-se e o sorriso rasga-se: "Enquanto for assim, não quero fazer outra coisa", diz. Solteira, vaidosa, muito girl na forma de se vestir, de se pintar e apresentar - talvez por isso tenha de responder constantemente ao facto de não "ter cara de cientista" -, a Drª Isaura Martins, 29 anos, formada em Bioquímica, doutorada pela Universidade de Manchester em Neurociências, Doença de Alzheimer e a fazer um pós-doutoramento em Biologia do Desenvolvimento na área da espinal medula, é uma das mais jovens cientistas do Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Formou-se em Bioquímica em Coimbra, cidade onde nasceu, cresceu e começou a trabalhar, no Centro de Neurociências, com a Drª Cláudia Pereira. Rumou a Inglaterra, onde esteve durante quatro anos, para fazer o doutoramento em Neurociências. Podia ter ficado, mas regressou porque "queria fazer ciência em Portugal". No início não foi fácil, viu-se sem perspetivas de trabalho. Mas como é "uma mulher persistente", que "não desiste facilmente", foi bater à porta do IMM. Ficou e mudou de área, o que aceitou como um desafio. Faz parte da equipa chefiada pela Drª Leonor Saúde, que trabalha na área da espinal medula. A ciência está em primeiro lugar, tem ambições de chegar longe, mas não querer pensar que por ser mulher tem de fazer opções, de desistir do que quer que seja, ou até de ser deixada para trás na competição pela partilha do poder. A não ser que seja uma decisão sua, por "não querer fazer".
A ela juntam-se outras cientistas mulheres. Marta, Inês e Susana, formadas em Engenharia Biológica e em Biologia, respetivamente, doutoradas, com 36 e 35 anos. Filipa e Patrícia, doutoradas, após licenciaturas em Ciências Farmacêuticas e em Química, vão nos 37 e 38. Vanessa, também bióloga, tem 39. Restam Sales Ibiza, a espanhola do grupo, com 39, que esteve seis anos em Portugal e agora está de partida para Barcelona, e Lina Paez, a colombiana que chegou cá, em 2014, através da bolsa da UNESCO para as mulheres, ganha em 2013. Todas têm algo que as une, a paixão pela ciência e a compensação que se sente, independentemente do tempo, quando se descobre alguma coisa que pode ajudar a humanidade. Todas têm também algo que as distingue. "Cada uma é como é", dizem. Há quem rejeite levar a carreira até ao topo, há quem aceite, há quem não pense nisso. Todas dizem que até agora não sentiram a discriminação de género, mas quem estuda a matéria garante que ela existe. "É exercida de forma subtil. O próprio juízo sobre as decisões muda pelo facto de se ser mulher ou homem. Se é um homem, a decisão é avaliada de acordo com a racionalidade, se é justa, certa ou errada; se é uma mulher, o juízo é transportado para a própria pessoa, ou é porque é má, autoritária ou porque é simpática", explica a psicóloga Lígia Amâncio. "Quando é uma mulher que está no poder, há tantos custos adicionais que muitas, sobretudo as mais jovens e sem experiência, acabam por desistir da chefia", argumenta.
Mas todas estas cientistas fazem parte de uma geração que pode continuar a mudança que tem sido feita ao longo dos tempos e que, no início do século XX, teve como exemplo a cientista, Marie Currie, nascida na Polónia, em novembro de 1867. Maria Salomea Sklodowska começou por ser barrada no acesso à universidade por ser mulher, mas conseguiu fazer os estudos científicos na Universidade Floating, em Varsóvia, mudou-se para Paris, casou, tornou-se professora universitária e foi a primeira mulher a ganhar um Prémio Nobel, o da Física em 1903 e o da Química em 1911. Currie teve duas filhas, levava-as em viagens, algumas de trabalho, ensinou-lhes a língua materna ao mesmo tempo que criou dois centros de investigação e unidades móveis de Raio x, durante a Primeira Guerra Mundial. Morreu em julho de 1934, com um linfoma, devido à exposição a radiações. Nada lhe foi fácil, mas costumava dizer: "Na vida nada tem de ser temido, tudo tem de ser compreendido."
Há quem diga que foi um exemplo de luta e resistência para as mulheres que hoje dão cartas na ciência e que, em alguns países como Portugal, já não são a minoria. Aliás, de acordo com o mais recente relatório da União Europeu que analisa dados dos 28 países de 2004 a 2012, 56% dos doutorados são mulheres, o que nos coloca, em termos de representação feminina, no terceiro lugar, atrás da Letónia e da Lituânia e bem à frente da Alemanha, Dinamarca, Reino Unido, França ou Espanha, onde a percentagem vai dos 43% aos 49%, enquanto a média da UE é de 47%. Mas quanto à proporção deste número para cargos dirigentes não há dados concretos. Em Portugal, a estatística não está centralizada, respondeu-nos o Ministério do Ensino Superior, da Ciência e Tecnologia.
Isaura, Marta, Inês, Susana, Filipa, Patrícia, Vanessa e até mesmo Sales e Lina são já o exemplo de uma geração que começou a marcar a diferença. Nasceram nas décadas de 1970-80-90, entraram na escola e na universidade quando se registou um boom de mulheres no ensino superior e no acesso às bolsas para a ciência - desde 1999 que há mais bolsas concedidas a mulheres do que a homens, com um pico nos anos 2006 e 2007, em que foram entregues mais de mil só a mulheres. Em 2015, e com a falta de financiamento, pouco passaram das duzentas, segundo dados da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Se assim é, o que impede tantas mulheres de alcançarem o topo na carreira? Foi esta a questão que as investigadoras do IMM, e que representam a associação PosDoc, quiseram discutir no dia em que lhes é dedicado, o PosDoc Day, logo no início deste ano e para o qual convidaram duas cientistas, uma norte-americana e outra japonesa, para falarem das suas experiências. Com os exemplos, fizeram comparações e chegaram à conclusão de que há situações que cá não seriam possíveis e outras que sim, como infantários ou creches nos locais de trabalho.
Mas, por mais encontros que se realizem, há dúvidas que permanecem: são as próprias que não aceitam porque se sentem pressionadas socialmente? Porque querem ser mães e ter um lado familiar? Porque optam por uma carreira em querem fazer o que gostam sem terem de se confrontar com as responsabilidades, chatices e burocracias, como algumas classificam, que advém de um cargo de chefia? Ou será que as mulheres não estão para se sujeitar aos processos competitivos que levam à partilha do poder? Será que são elas que não acreditam nas suas capacidades para líderes? Ou, em último caso, é uma característica feminina? Ou um padrão incutido pela educação nos bancos da escola? A psicóloga Lígia Amâncio, que estuda o género e a igualdade, defende que o problema não é intrínseco, não está na educação, tão-pouco numa certa falta de ambição da mulher, mas nos obstáculos que ainda lhe são colocados para chegarem ao poder. "Se é um homem que assume o poder, isso é visto como normal e as suas decisões são avaliadas de forma racional, se estão certas ou erradas, se são justas ou injustas. Se é uma mulher, o juízo é transportado para a própria pessoa. A decisão surge e é avaliada de forma subjetiva - porque ela é má, autoritária ou porque é simpática. Ora, isto acaba por ter um custo adicional e penoso para a mulher, que se vê frequentemente em conflito. Isto é um obstáculo para atingir o poder." Mas cada história é uma história.
Marta Marques tem 36 anos, é casada, tem um filho com 5 anos e há três que adia um segundo. "Não podia pensar noutro filho sem ter a certeza de que tenho estabilidade económica, e não queria prejudicar o meu percurso. Comecei no IMM em setembro de 2016 e sentia que tinha de mostrar mais", confessa. Agora, conseguiu a bolsa que procurava desde 2014, são mais seis anos num projeto de PosDoc, o que lhe dá alguma estabilidade, mas "não quer dizer que vá já avançar para o segundo filho", ri-se. À pergunta se acha que tal poderia prejudicar a carreira, afirma que não. "Sinto que isso não aconteceria no IMM, aqui, as mulheres são bem-sucedidas, o que acaba por se traduzir na forma como olhamos para as coisas." Assume que atingiu outra maturidade e que conseguirá conjugar tudo. "Aprendi a focar-me em mim, naquilo que quero fazer, a não criar muros, barreiras e a não complicar demais." Nem sempre foi assim, assegura. Filha de pai engenheiro e mãe médica, achou que a medicina lhe encaixava bem e, como teve sempre notas altas, não hesitou em seguir esse feeling. No 12º ano sentiu a pressão e as notas baixaram nos exames. Não conseguiu entrar, o explicador de Matemática falou-lhe no curso de Engenharia Biológica, no Instituto Superior Técnico, e achou que seria uma hipótese, mas o primeiro ano não correu bem. "O Técnico é um ambiente muito masculino, senti-me muito mal. Não me adaptei." Concorre pela segunda vez a Medicina e não consegue, acaba por ficar no curso em que estava. "Foi difícil, mas acabei, achando sempre que não teria perfil para investigadora e que seguiria a via empresarial virada para a indústria. Só que fui fazer mestrado no Laboratório de Investigação Veterinária e senti o gosto por este trabalho." Ao mestrado seguiu-se o doutoramento em Bioquímica Estrutural em Oeiras, em 2010, ano em que casou. A meio, tem o filho, "achei sempre que as coisas iriam correr bem, mas foi duro, cheguei a pensar desistir", desabafa, explicando: "Fazia 150 quilómetros todos os dias, o meu filho não dormia durante a noite e tudo mexeu comigo. No laboratório tinha de estar com a concentração máxima e ainda tinha a pressão de ter de publicar, estava no doutoramento. Houve uma altura em que pensei que não aguentaria quer física quer psicologicamente", conta. Mas conseguiu. "O problema do sono resolvi-o com uma terapeuta e, a partir daí, consegui organizar-me e produzir ainda mais do que outras colegas sem filhos. Tive muito apoio do meu marido e da minha família." Marta confessa que se massacra e culpabiliza sempre que acha que não está a dar a máxima atenção ao filho, mas tenta arranjar soluções. "Evito trabalhar aos fins de semana, estar fora mais de uma semana, eu própria não gosto", e diz que o marido tem sido o seu maior aliado. Se a evolução a levar para um cargo de dirigente, acredita que continuará a ter o seu apoio e não dirá que não. Aliás, assume, "tenho trabalhado para isso e gostaria que um dia essa oportunidade surgisse". Marta teve a compensação de esta semana ver o seu trabalho de doutoramento na área da produção do hidrogénio ser publicado na revista científica Nature Chemical Biology e considera, mais do que nunca, que a mensagem a passar às gerações de mulheres mais jovens na ciência "é a de que acreditem sempre no potencial que têm, pois muitas vezes o medo de falhar afasta-nos dos objetivos. Não temos de ser imaculadas, isso não existe. Falhamos, levantamo-nos e avançamos."
Inês Bento tem 35 anos e apaixonou-se pela genética e pela divisão das células, embora agora investigue a malária. Fez o curso de Biologia na Universidade do Porto, apesar de ser da Lourinhã, "queria ir para longe, achava que se ficasse em Lisboa seria mais controlada pelos meus pais", afirma. Foi em 2000, já com o namorado que hoje é o pai dos seus dois filhos, diz que namoram há 17 anos e que esta separação logo no início da relação foi uma prova de fogo. Mas ficou pouco tempo sozinha, "ele era jogador de futebol e conseguiu ir para equipas do Norte". Em 2005, tinha o curso de Biologia com a vertente cientifica, o estágio e o mestrado em Ciências Neurodegenerativas. "Apesar de ter adorado o mestrado, apercebi-me de que não era bem aquilo que queria e concorri a uma bolsa do Ipatimup para trabalhar na área do cancro da tiróide. Foram dois anos "que trabalhei diretamente com o grupo do professor Sobrinho Simões", recorda, contando que ele teve alguma influência na decisão de regressar a Lisboa, em 2007. "Um dia, à noite, estava na biblioteca e ele tinha a luz do gabinete acesa, fui falar-lhe das minhas dúvidas. Ele aconselhou-me a perceber o que eu gostava realmente de fazer e onde." Na altura, Inês tinha 25 anos e decidiu que queria continuar a fazer ciência numa área em que trabalhasse a divisão de células. Candidatou-se a duas bolsas, foi aceite nas duas, o que foi um dilema para escolher uma. Acabou por ficar a trabalhar com a cientista Mónica Bettencourt Dias, no Instituto de Ciência da Gulbenkian, no ciclo de regulação celular. Em outubro de 2008, começa o doutoramento, acaba em 2012 e o resultado foi publicado no ano passado na Science. Em 2014, teve o primeiro filho e tudo mudou um pouco, gozou os cinco meses de maternidade e depois ingressou no IMM, "na entrevista disse à minha chefe que estava grávida e ela aceitou". Trabalha no grupo da malária e já teve um segundo filho. A rotina não é fácil, até porque mora no Barreiro e sabe que só consegue fazer o que faz porque "tenho uma pessoa a meu lado que é tanto quanto eu, está a 100%", mas, por exemplo, "tive de deixar de me stressar porque os meus filhos não estão na cama às nove horas como os das amigas." A ciência continua a ser o que mais gosto de fazer, mas agora estou numa fase em que penso no que quero fazer." Não acha que chegar a chefe seja um percurso normal na sua carreira. "Gosto muito do trabalho de bancada, por outro lado, teria de ser tão boa quanto as pessoas com quem já trabalhei e que vi que abdicaram muito das suas vidas. Teria o apoio do meu marido, não sei se é o que quero."
Aos 39 anos, Vanessa Luís, formada em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, conta-nos que "não é de fazer planos a longo prazo, o que é bom e mau, mas não vivo a angústia do que vai acontecer como algumas colegas minhas. Tem corrido bem e não precisei de mudar." No liceu, sabia que queria seguir ciências, por oposição a artes ou humanidades, mas não fazia a mínima ideia em que área. O pai é engenheiro, mas não era isso que queria e um dia a revelação surge pela professora de Biologia, que anuncia que se vai reformar e voltar à universidade para estudar o que sempre foi a sua grande paixão: História. "Eu achei o máximo, a minha professora de Biologia foi uma fonte de inspiração, mas quando toda a gente me perguntava se eu queria ser professora, eu sabia que não." Na altura, não havia muitas saídas, mas aos poucos foi percebendo que queria fazer ciência e em laboratório, "adorei a disciplina de Biologia do desenvolvimento e a professora disse-me que teria de ter uma boa média para me candidatar a uma bolsa". Foi o que fez, defendeu a tese de licenciatura em 2001 ao mesmo tempo que se candidatava a uma bolsa de integração. Ia começar em outubro, mas em agosto abriram vagas para o programa doutoral da Gulbenkian e a pessoa com quem trabalhou aconselhou-a a concorrer, aceitaram-na e escolheu Biologia do Desenvolvimento. Foi até aos Estados Unidos, não gostou e seguiu para a Universidade de Cantábria, em Espanha. Foram quatros anos de investimento na ciência. Quando terminou o ciclo pensou que não tinha feito tantas outras coisas de que gostava e, "para desgosto da família e do meu chefe, deixei a ciência e fui fazer voluntariado para Moçambique, durante um ano, numa escola de formação de professores". Na província de Chocowe ensinou inglês, informática, ciência e de tudo um pouco. Adorou a experiência e só regressou por não poder ficar. Chegou em 2007, um pouco perdida sobre o que iria fazer. Um dia, foi assistir à tese de doutoramento de uma amiga no IMM e o bichinho da ciência regressou. Candidatou-se a uma bolsa e ficou a trabalhar na área da malária, já lá vão nove anos. Hoje, é das bolseiras seniores do laboratório. Gosta de fazer o que faz e diz que não tem a certeza de que, se fosse confrontada com a chefia, se aceitaria o desafio. Talvez por comodismo, "gosto muito do trabalho de bancada, de orientar estudantes, de ter ideias, de as levar a cabo e até de procurar financiamento para elas, mas faço-o porque tenho liberdade para o fazer, não por obrigação ou por não ter outra opção". Vanessa introduz-se dizendo que tem uma vida, uma relação, um gato e não tem filhos. Nunca pensou ter, "também nunca aconteceu" , e isso nunca condicionou a sua vida. "Às vezes, penso que gostaria de adotar." Neste momento, está a passar por uma fase em que poderia ficar "eternamente", desde que pudesse fazer ciência e ensinar.
Susana Lobo, de 35 anos, fez o curso de Biologia na Universidade Lusófona e o doutoramento em Bioquímica na Nova. Desde criança que se lembra da sua paixão pela ciência. Gosta do que faz e irá sempre lutar pelo seu trabalho. Não tem dúvidas quando diz que, se algum dia lhe aparecer uma hipótese de um cargo dirigente, não pensa duas vezes, isto apesar de querer ter também o seu lado familiar. Tudo será possível, embora afirme que vê diariamente o esforço e o sacrifício que algumas colegas fazem. Até agora não foi possível por não ter uma situação estável, pensa o que fará daqui para frente, colocando mesmo a hipótese de poder passar para o outro lado, para a via industrial. Susana já saiu do instituto para abraçar um novo desafio.
Filipa Nunes nasceu há 37 anos em Viseu. Foi aí que conheceu o marido. Há 20 anos que fazem um percurso juntos. Primeiro, em Coimbra, para a faculdade, depois no Porto, para o doutoramento, e agora Lisboa. Conta-nos que queria Medicina, mas acabou em Farmácia com doutoramento em Neurociências. Agora está em Gestão de Carreiras. Começou por dar aulas na Faculdade de Farmácia, pois percebeu que não queria investigação e que preferia algo mais ligado a coisas técnicas e imediatas. "Queria ter um grupo, ser responsável por ele, pensar no financiamento", explica. Foi assim que chegou ao lugar onde está no IMM, de Gestão de Carreiras a apoiar alunos de mestrado e doutoramento, tudo o que tenha que ver com formação avançada. "Gosto muito." Filipa diz que sempre conseguiu conciliar a vida profissional com a familiar. "Tudo foi acontecendo de forma natural e adaptámo-nos." O filho, de 7 anos, ainda nasceu com ela na faculdade, mas a mais nova nasceu há dois anos, já no IMM. O marido também está na ciência, um pouco sem horários, por isso é ela quem se organiza para sair às 18.00 e ir buscar os filhos à escola. As tarefas são divididas por aquilo que cada um gosta mais de fazer, "eu não gosto de cozinhar, por isso o meu marido avança com o jantar e eu trato das crianças. E quando há maior pressão, trabalho em casa depois de os deitar". O que sente mais limitativo, afirma, "é o facto de não ter tanta disposição para me ausentar ou para passar longos períodos fora de Portugal". De resto, assume, "não são os filhos que me limitariam a aceitar um cargo de direção se o quisesse".
Patrícia Costa esteve dez anos no Reino Unido. Foi no Kings College que fez doutoramento na área do cancro, durante quatro anos. Passou para o Queen Mary University para fazer um Pós-Doc em Biotecnologia. Em 2015, voltou a Portugal. "Sempre tive o bichinho de regressar para fazer ciência, mas também voltei pela minha família". Patrícia é solteira e diz que não tem para si a exigência de arranjar um namorado. "A ciência é espectacular e quando se descobre alguma coisa verdadeiramente nova sente-se algo indiscritível", argumenta. Tirou Bioquímica Aplicada na Universidade Nova de Lisboa, fez um estágio no IPO de Lisboa, "quando consegui este trabalho fiquei superfeliz. Queria curar o cancro. Estive lá dois anos, depois senti que tinha de fazer mais e fui para fora". No IMM há ano e meio, diz estar na fase de dar o salto, de tentar um financiamento próprio para os seus projetos. Tem concorrido a bolsas nacionais e internacionais, por exemplo à bolsa Marie Curie, que aceita milhares de candidaturas, mas até agora não foi possível. Sabe que tem hipóteses de ser chefe de grupo, ter o seu próprio projeto e geri-lo, seria um passo na carreira, mas questiona-se: "Será que vou conseguir?" Só espera não ter de voltar a sair do país.
Sales Ibiza nasceu em Valência e escolheu Portugal em vez dos EUA para fazer um Pós-Doc, porque "estava enamorada" por uma pessoa que vivia entre Lisboa e Madrid. Hoje, diz, devia ter ido para os EUA. Está de regresso a Espanha, depois de seis anos em Lisboa e no IMM, vai fazer outro pós-doutoramento. De cá leva coisas boas e más, foi difícil a adaptação a Portugal, ainda por cima a relação não deu os frutos que esperava e ficou sozinha. Formada em Farmácia, leva a compensação de ter trabalho publicado na Nature depois da descoberta a ligação que as células intestinais têm à doença de Crohn. Confessa que tem um lado pessoal, "uma certa falta de confiança", que às vezes a prejudica na carreira, mas sempre quis fazer ciência, descobrir coisas, e que isso implica estar livre para poder ter mobilidade e ir para onde tiver de ir. Assume que optou pela carreira, nunca pensei ter filhos precisamente por isto. A caminho de Barcelona, não sabe se um dia regressará, mas de uma coisa tem a certeza: "As questões que aqui se colocam às mulheres portuguesas são iguais às que se colocam em Espanha", onde, diz, a experiência que tem é que lá "as mulheres dirigentes têm de ser mais sérias, autoritárias e duras" para conseguirem alguma coisa.
Lina Paez tem 32 anos. A colombiana nascida em Bogotá tem cara de menina, mas saiu da sua terra quase há dez anos. Esteve sete no Japão, foi também atrás de um amor. "Uma pessoa que também queria fazer ciência e que escolheu o Japão, e eu achei que me poderia adaptar. Mas o choque cultural foi tão forte que a relação não resistiu a esse embate. Passado uns tempos, estava sozinha e a ter de lidar com a exigência do trabalho no laboratório. Passava mais tempo lá do que em casa, aliás o laboratório tinha camas e duches para os investigadores poderem ficar lá", conta Lina. O seu ar moreno e muito feminino também foi um problema. "Chegava a ter pessoas que me criticavam por ir de saias ou a cheirar a perfume para o laboratório. Foi muito rígido." Em 2013 ganha a bolsa da UNESCO da Loréal, podia ter escolhido o Reino Unido ou a Suécia, mas preferiu Portugal. "Um país do Sul, mais parecido com a minha terra. Lisboa tem muitas semelhanças com Bogotá. Sinto-me em casa." Escolheu o IMM porque sabia que podia trabalhar com um grupo de especialistas de renome mundial na área dos cromossomas. A bolsa acaba neste ano e vai ter de decidir o que vai fazer, se regressa à Colômbia ou se fica. É jovem e espera nunca ter de decidir entre a carreira e o lado pessoal, até porque "tenho visto uma série de mulheres bem-sucedidas na carreira."
Maria Mota é diretora executiva do IMM desde 4 de abril de 2014. Quando foi abordada para o cargo teve dúvidas "não pessoais ou pelo facto de ser mulher", mas pelo "receio de que um cargo de direção me iria tirar tempo daquilo que eu gosto de fazer. E o que gosto é de ser cientista", afirma. Maria recebe-nos no seu gabinete numa sexta-feira à tarde. Tem a agenda preenchida e o tempo não é muito, mas a conversa rola e levamos mais de uma hora à conversa. Fala-nos da sua vida como se estivesse a contar uma história, de como "tudo foi fruto do acaso e das opções que fez", até na escolha do marido, embora agora divorciada, "que é uma pessoa formidável e que me deu sempre todo o apoio". Por isso, considera-se uma "sortuda". Neste momento, "já não sou eu que faço as experiencias, são as que pessoas que trabalham para elas e para mim, por isso tenho de me adaptar aos vários ritmos, mas a minha saciedade é resolvida pelos resultados que elas obtêm, e adoro isso. Adoro sentar-me a uma mesa a discutir resultados, a questionar e a querer sempre mais", diz com um sorriso e um leve sotaque do Porto, cidade onde tirou o curso de Biologia na Faculdade de Ciências.
Nasceu em Vila Nova de Gaia e tem 45 anos. Logo a seguir ao curso fez mestrado em Imunologia com a Drª Maria de Sousa, "uma mulher fortíssima", a meio, foi para Londres, acabar o mestrado e tirar o doutoramento em Parasitologia, onde ficou mais quatros anos. "Conheci uma pessoa que dava aulas num laboratório em Londres e que me convidou para ir ver o que estavam a fazer, gostei tanto que fiquei." O marido foi com ela, depois seguiu-se Nova Iorque e o laboratório de Viktor Nussenzweig, onde queria muito trabalhar, por ser dos mais importantes na área da malária. Ali, ficou três anos. "Era o acordo que tinha com o meu marido, ele queria voltar a Portugal ao fim deste tempo. Então comecei a fazer contactos, achei que poderia candidatar-me ao Instituto de Ciência da Gulbenkian porque me parecia ser o local ideal para o que queria fazer. Depois tive um convite do IMM, candidatei-me e mudei-me para aqui."
Nunca colocou a questão de ter de decidir entre uma coisa e outra, ou entre o lado profissional, pessoal ou familiar, acredita que são "as nossas escolhas que nos permitem fazer determinadas coisas". Mas reconhece que tem uma vantagem: "Sou uma pessoa muito prática e tenho uma grande flexibilidade mental." Por exemplo, explica, "não sinto a culpabilização que outras mulheres sentem por terem de deixar os filhos no infantário ou por terem de lhes retirar algumas horas para trabalhar. Quando estou, estou", afirma convicta. "A minha vida é composta por várias esferas que vão diminuindo ou aumentando conforme as necessidades, embora eu perceba que tenho a sorte de ter uma profissão que me permite gerir o meu tempo. Se for preciso trabalhar 72 horas seguidas, a minha equipa sabe que o faço, mas se for preciso trabalhar das 9.00 às 16.00 e voltar a fazê-lo mais tarde, também o faço. Muitas vezes há elementos que se juntam em minha casa para trabalharmos. E o poder fazer isto é uma felicidade enorme, porque adoro o que faço. Aliás, tenho um ritmo muito acelerado e, às vezes, tenho de ser posta na ordem pela minha equipa, que me diz: 'Maria, temos de dormir, ou ir a casa'."
Maria tem duas filhas, Inês, de 15 anos, e Vânia, de 11. Ficou grávida uma vez e, sem problemas de juízos, admite, "gostei muito, mas percebi que não queria mais. É o tipo de viagem a que uma pessoa vai, gosta bastante, acha bonito, mas depois sabe que há tanto mundo para conhecer que não vai lá voltar, a não ser que seja por uma razão muito especial. Nunca fui daquele tipo de mulher que achava que ser mãe era tudo". Mas, como o marido queria mais filhos, um dia perguntou-lhe: "E se adotássemos?" Candidataram-se, mas quando a criança apareceu tinham passado quatro anos, já não pensávamos no assunto. "Numa noite tivemos de decidir se queríamos ou não. Foi uma gravidez de 15 dias. Tivemos de organizar tudo para receber a Vânia, já com 2 anos, em casa. Foi uma altura em que a esfera profissional diminui um pouco. Ela não foi logo para um infantário, não era conveniente, e eu organizava tudo no instituto para poder fazer reuniões e trabalhar durante os períodos da sesta dela. Tive a sorte de poder contratar alguém que ficasse com ela em casa nos primeiros tempos, esteve sempre acompanhada e a adaptação com a irmã foi boa." As minhas filhas estavam bem entregues, uma no infantário e outra em casa. É uma questão de confiar a 100% no trabalho das pessoas, se desconfiasse de alguma coisa retirava-as do sítio onde estavam." As minhas filhas dizem que sou diferente, mas também lhes pergunto se algum dia precisaram de alguma coisa e eu não estava lá." Não gozou oficialmente o período de gravidez, "resolvi assim as coisas", mas na primeira também não cumpriu o tempo por inteiro, "não era possível, e não sinto qualquer culpabilização por gostar de fazer o que faço. Nunca o fiz por ambição de chegar a ser diretora. Adorava receber o Prémio Nobel, não tenho problema em dizer isto e assumo, mas nunca assumiria que adorava ser diretora executiva, isso mexe zero comigo", mas isto não quer dizer que "não goste de parte das funções".
A forma como fala torna tudo simples, até agora que está separada e divide a custódia das filhas, "uma semana em minha casa, outra na do pai, mas vivemos a 900 metros um do outro e tudo se conjuga". Maria considera ser "uma sorte pensar desta forma", diz que não teve que ver com a educação que lhe deram, que até foi rígida. "A minha mãe deixou de trabalhar para cuidar das filhas, a situação financeira também o permitia, mas foi este o exemplo que tive." Mas reconhece: "Não tenho dúvida de que também fiz muita coisa na carreira por ter um homem formidável ao meu lado. Eu viajava muito mais do que ele, ele é muito mais caseiro, mas também não fui eu que determinei que ele definisse a carreira dele de determinada forma. Se ele tivesse querido fazer as coisas de outra maneira, ausentar-se mais, tenho a certeza de que arranjaríamos soluções para que ele o fizesse."
Maria Mota foi galardoada com o Prémio Pessoa em 2013, foi chefe de grupo, agora diretora executiva, mas diz que o seu papel na sociedade é como cidadã do mundo, e esse é o dever de "transmitir a ideia de que a sociedade não tem de pensar que há um papel para o homem e outro para a mulher. Somos diferentes, sem dúvida. Queremos ser iguais? Não. Somos diferentes e contribuímos de forma diferente, não quero as minhas colaboradoras a pensar que têm de ser supermulheres ou supermães. Não somos, porque não somos perfeitos. Esse é, muitas vezes, o erro das mulheres, com uma culpabilização em excesso." E reforça: " Acho que é a diversidade que nos dá a riqueza e não é com leis que mudamos isto, é com mentalidades. O problema é que é muito fácil justificar tudo com o lado biológico, damos à luz e os homens não", afirma. O importante é sabermos o papel que cada um tem na sociedade, e esse ser assumido com transparência e sem pressões.
Quando falamos de algumas condições que possam levar as mulheres a não desistir de lugares de topo, diz que "a essas condições chama-se qualidade de vida e devem ser para os homens e para as mulheres. O propósito das instituições deve ser o de criar condições e proporcionar um bom ambiente a todos os colaboradores, já que todos trabalham para o mesmo".
Sobre si, diz: "Sou muito feliz por ter duas filhas maravilhosas. E o tempo que passo com elas é o que deixo para o resto da vida, mas eu não seria feliz se não tivesse um outro propósito, e esse, sem duvida, é ser cientista, não é ser diretora." Mas admite também que tem uma outra característica, "adapto-me às circunstâncias". Afinal, cada uma é como é...