"Ser eu o plano B do PT em 2018? Lula é o plano A, B e C"

Dada a possibilidade de Lula da Silva ver confirmada a sentença de nove anos e meio na Lava-Jato, o PT pensa em alternativas - e, nesse caso, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad é o nome de quem todos falam.
Publicado a
Atualizado a

Todos falam nele como plano B do PT em 2018, menos o próprio, que sublinha a lealdade a Lula. Em entrevista ao DN, como bom professor de ciência política, Fernando Haddad esperou o gravador desligar-se para perguntar "e a geringonça, como vai?".

Lê-se tantas vezes que é o plano B do PT para 2018 caso Lula seja impedido que já há quem trate o assunto como oficial. É oficial?

O que existe de oficial é o desejo de todos no PT de que o Lula seja absolvido em segunda instância e que possa apresentar-se na campanha.

Mas tem feito um périplo pelo Brasil que parece campanha...

O Lula perguntou-me o que eu pretendia fazer em 2018. Eu respondi: "Ajudá--lo a construir uma plataforma de governo." Entretanto recebi muitos convites para falar em universidades e o Lula achou boa ideia que fizesse esse périplo.

Neste momento podemos dizer que é um estratega da candidatura de Lula, que é o plano A e B do PT?

O Lula é o plano A, B e C.

Mas o impedimento de Lula é demasiado realista para ser descartado.

O Lula já citou alguns quadros do partido, não só eu, sobre essa eventualidade. A questão é que o Lula é uma figura ímpar, aparece um de cem em cem anos. E eu, como ministro da Educação dele, devo-lhe lealdade.

Um caminho alternativo da esquerda é Ciro Gomes (PDT). Como vê as possibilidades dele?

Ninguém duvida da preparação do Ciro. Vamos ver.

E Marina Silva (Rede)?

Falando como académico, nem sei se a Marina hoje é de esquerda. O apoio dela ao Aécio [Neves, do PSDB] na segunda volta de 2014 e ao impeachment da Dilma [Rousseff, do PT] deixam-na numa zona indeterminada. Acho que as pessoas ressentidas devem afastar-se da política até se curarem [risos].

Outro pré-candidato não assumido é João Doria (PSDB), seu sucessor em São Paulo. Como analisa a gestão dele?

O que tenho visto é mais desconstrução do que construção. Programas sociais premiados desfeitos; área social, cultura, educação e saúde mal tratadas; capitulação face à especulação imobiliária; além de uma agenda nacional que vem constrangendo até o seu partido e o seu padrinho político [o também pré-candidato a 2018, o governador do estado de São Paulo] Geraldo Alckmin...

São Paulo retrocedeu com Doria?

Visivelmente. Além do que citei temos o aumento de 75% de mortes de ciclistas...

Mas nas últimas eleições Doria derrotou-o com o slogan "acelera São Paulo" que visava aumentar a velocidade permitida dos automóveis. Porquê?

Penso que por uma questão de tempo . O Enrique Peñalosa [presidente da Câmara de Bogotá] tinha essa agenda de brigar pelo pedestre e pelo ciclista, perdeu as eleições e voltou ao cargo 12 anos depois. No início é sempre difícil mudar: por exemplo, quando fechei a [Avenida] Paulista ao trânsito ao domingo, foi um escândalo, hoje 40 mil pessoas frequentam-na e não permitirão que se volte atrás porque a ideia consolidou.

Qual a sua opinião sobre a Cracolândia [área da cidade onde vagueiam traficantes e usuários de crack e que Doria mudou de localização]?

Era uma situação que estava controlada. Enquanto prefeito fui lá até com o príncipe Harry sem nenhum aparato. Ele conheceu tendas de atendimento, conversou com beneficiários e não beneficiários de programas sociais e viu, também, cenas de consumo. Especialistas e uma ONG financiada pelo George Soros elogiavam. Agora desmontaram tudo. Causa-me uma angústia enorme. Quero ver se alguém leva lá o príncipe Harry agora.

Mas Doria no Planalto é, ainda assim, menos preocupante na sua opinião do que Jair Bolsonaro [candidato de extrema-direita pelo Patriotas]?

Acho que se situam no mesmo campo: o da imoderação à direita, do extremismo, da intolerância. Doria quer captar eleitores do Bolsonaro. Ao contrário do outro pré-candidato do PSDB, Alckmin, que considero de centro-direita.

A crise estimula os extremismos? O PT não arrisca extremar o discurso?

Na campanha, o discurso extremista colhe mas na hora do voto os brasileiros afastam, espero eu, o risco de uma polarização ainda maior. Quanto ao PT, acho que não há esse risco. Defino o Lula como um trabalhista moderno. As pessoas de direita acusam-no de usar o discurso do "nós contra eles" e as à esquerda de ser conciliador. Ora, as duas imagens são verdadeiras. Quando ele subia num palanque do sindicato assumia que os interesses dos trabalhadores eram contrários aos dos patrões mas a seguir tentava um acordo antes de partir para uma greve. São os dois lados de Lula: por um lado, um sentimento de classe, sabendo quem é, de onde vem, e por outro um gesto do tipo "nós podemos ganhar juntos, vocês estiveram 500 anos ganhando sozinhos, agora vão continuar ganhando mas connosco".

Mas a "esquerda à esquerda do PT" diz que o PT no governo caiu nos vícios que combatia.

E é uma crítica válida. Devíamos ter avançado mais numa agenda republicana. Avançámos muito nas agendas económica e social mas não o suficiente numa agenda republicana. Na agenda contra a corrupção acho até que avançámos - porque a Operação Lava-Jato é uma filha direta dos instrumentos que nós criámos - mas a reforma do Estado, a reforma do sistema político, ficou aquém. E até piorou nalguns casos, ao permitir a ascensão de figuras como [o ex-deputado] Eduardo Cunha. É fácil governar no Brasil, com este sistema político, sem cair no clientelismo? Não, não é. Mas temos de admitir que, no mínimo, tentámos pouco.

Como avalia o governo Temer, acusado de ser o produto desse clientelismo?

Até gente do governo anda atónita com o grau de clientelismo do governo. Tanto o PT como o PSDB sempre foram reféns do atraso e agora esse atraso tomou o poder, com ajuda do PSDB. E tomou-o num golpe em três atos: primeiro, o impeachment da Dilma sem crime; depois, a tentativa de inelegibilidade do Lula sem prova; e, agora, no Congresso, discutem a introdução do parlamentarismo, sem consulta popular, ao contrário do que diz a Constituição.

Como vê o avanço do fundamentalismo no Brasil?

É um fundamentalismo charlatão. Bolsonaro é um fundamentalista charlatão. Ele e muitos desses pastores aí.

Além do senhor, mais dois prefeitos de São Paulo [Kassab e Maluf], o governador do estado [Alckmin], o presidente do PSDB [Jereissati] e o presidente da República [Temer], são de origem libanesa. Alguma pista sobre a razão?

Talvez porque muitos se envolveram com comércio, indústria, profissões liberais, o que favorece a atuação comunitária. Não só nós árabes, aliás, também a comunidade judaica.

Que convivem em plena harmonia em São Paulo.

Casamo-nos uns com os outros e tudo [risos]. Tolerância total. Nesse caso somos um exemplo.

São Paulo

ENTREVISTA ORIGINALMENTE PUBLICADA NO DN A 26/8/2017​​​​​​​

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt