Ser diplomata atrai milhares para uma dezena de vagas

Eleição de António Guterres na ONU, após Durão Barroso para a UE, recolocou máquina diplomática no centro das atenções.
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A eleição de António Guterres para a ONU voltou a fazer sobressair o papel da diplomacia portuguesa e dos seus agentes. Contudo, há anos que essa carreira atrai muitos candidatos, que em 2015 chegaram aos 2045 para apenas dez vagas.

A consulta das listas finais indica que foram admitidos a concurso 1695 candidatos (mais seis de forma condicionada) e excluídos 344. "É um dos concursos mais difíceis e fechados da administração pública, pelo número de poucas vagas face ao de candidatos.... são tantos que nem tentamos fazer as provas no ministério mas na Cidade Universitária, para os podermos distribuir pelas diferentes salas", conta um diplomata ao DN.

"Outro aspeto que ainda fecha mais a rede é o não haver concurso todos os anos", adianta a fonte, indicando que as provas iniciais de cultura geral ou línguas - a começar pelo Português - e interpretação de textos eliminam logo muitos dos candidatos. Segue-se uma fase mais ligada à diplomacia, como direito internacional público e privado ou história diplomática. Por fim, há uma intervenção oral com cerca de 20 minutos sobre um tema à sorte e para o qual os candidatos têm duas horas para se preparar (e responder às questões do júri).

"Se passarem, os candidatos têm uma fase final de entrevista com diplomatas seniores que pode ser sobre um tema específico ou para ver como reagem sobre pressão", explica o diplomata. Em 2015, só chegaram ao fim 30 candidatos... e os que entraram nas 10 vagas frequentaram depois um curso intensivo de três meses, sendo depois colocados no Palácio das Necessidades como adido de embaixada.

Três anos após admissão podem ser colocados no exterior - onde há três tipos de postos (A, B e C) consoante a dificuldade e a distância, entre outros critérios - e aí ficam até um máximo de nove anos. A exceção estatutária fica para os chefes de missão, como é o embaixador na ONU, Álvaro Mendonça e Moura.

A escolha dos embaixadores para os 84 postos - em quatro há conselheiros como encarregados de missão - no estrangeiro é política, sendo os nomes indicados pelo primeiro-ministro ao Presidente da República, que aceita (ou não) e nomeia. "Não faço propostas sem a garantia de ser aceite" pelo Chefe do Estado, diz o ministro da tutela, Augusto Santos Silva (ver entrevista ao lado).

O embaixador Manuel Marcelo Curto, presidente da Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses, sublinha que o diplomata "não tem estados de alma, mas é um enviado com palavra, que pensa e tem uma posição ativa". Tendo "um ofício de manter a paz, dado que o natural nas relações humanas é a guerra", o antigo representante de Portugal em Moscovo frisa que esse profissional "é um representante do Estado e do governo, porque o seu papel vai para além de servir um governo. Serve a Pátria!"

Relações pessoais e bom senso

O embaixador António Monteiro destaca alguns "elementos absolutamente essenciais" no trabalho de um diplomata: "Estabelecer relações pessoais, dominar as áreas da sua competência, mostrar respeito pela opinião dos outros, ter capacidade de mediação e um enorme bom senso, que é essencial para perceber até onde pode ir."

"Temos uma tradição, uma escola diplomática portuguesa que merece o prestígio que tem, que leva a que tenhamos conseguido resultados que outros consideram inesperados, como sermos eleitos para o Conselho de Segurança, para a UE [Durão Barroso]... o exercício das presidências da UE eram uma marca", evoca António Monteiro.

E as mulheres, num quadro com cerca de 400 diplomatas? "São 30% e poderá aspirar-se à paridade a médio prazo", pois só em 1975 entraram numa "carreira muito hierarquizada", diz Marcelo Curto. "É uma boa progressão. Hoje, uma é a chefe da carreira [como secretária-geral do ministério], outra é chefe de gabinete do ministro. Há mulheres em todos os escalões hierárquicos, embaixadoras full rank ou acreditadas", adianta.

A este nível e em termos de colocações nos postos externos, o desnível é ainda muito grande: só 15 dos 82 postos são chefiados por mulheres (18%).

Quanto à importância dos postos para os interesses de Lisboa, à frente estão os multilaterais em Nova Iorque (ONU), Genebra (organizações internacionais) e Bruxelas, (UE e NATO). Por razões políticas, históricas ou económicas, seguem-se as bilaterais em Washington, Pequim, Moscovo, Paris, Londres, Brasília, Luanda, Maputo, Madrid, Berlim, Roma, Tóquio, México, Pretória, Rabat ou, por exemplo, Abu Dhabi.

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