Ser cristão é perigoso
O cristianismo sofre por culpa do seu sucesso, e se são os fundamentalistas islâmicos quem por regra mata aqueles que acreditam em Jesus, nem toda a violência vem do Estado Islâmico, do Al-Shabab ou da Al-Qaeda. Também fora do mundo muçulmano multiplicam-se os ataques a igrejas e crentes, como os da autoria dos extremistas hindus na Índia ou os com assinatura budista no Sri Lanka. O Papa Francisco não exagera quando diz que cristãos são alvos.
Huntington escandalizou quando escreveu na Foreign Affairs que o pós-Guerra Fria seria de choque de civilizações, e que estas teriam a religião como base. Tinha o ensaio saltado já para livro, quando se deu o 11 de Setembro. E, de repente, as teses do americano serviam para explicar a destruição das Torres Gémeas por um grupo de terroristas às ordens da Al-Qaeda.
Olhando-se para a geografia das civilizações, percebia-se que do Senegal à Indonésia o mundo islâmico parecia cercado, o que explicaria o embate com ortodoxos nos Balcãs, com judeus na Palestina, com hindus em Caxemira, com confucionistas no Xinjiang ou com católicos em Timor.
Junte-se católicos, protestantes e ortodoxos - que aos olhos do resto do mundo são uma única religião apesar dos cismas - e outra geografia pode sobressair: a do cristianismo como a única crença global, capaz de manter comunidades no Médio Oriente berço, mas também de se apropriar de espaços como as Américas, a Austrália, a África Austral ou a Sibéria à boleia dos colonialismos português, espanhol, francês, britânico ou o russo.
Hoje são mais de 2500 milhões os cristãos e mais de uma centena os países de maioria cristã.
Também que a única superpotência seja cristã reforça a ideia de cruzada permanente, que os extremistas islâmicos aproveitam para propaganda. Soma-se a isto que das dez nações mais ricas, e desde logo os Estados Unidos, sete sejam de matriz cristã, mesmo que laicas.
Mas os ataques aos cristãos, globais, não têm explicação única: o recente massacre na universidade pelo Al-Shabab é sobretudo represália por países cristãos como Quénia e Etiópia se envolverem na guerra na Somália. Já na Índia, a fúria dos extremistas hindus é pior contra os muçulmanos, forçados a regressar ao que seria a crença original antes da chegada dos conquistadores da Ásia Central; no Sri Lanka, cristãos estão na mira como muçulmanos e hindus, todos ameaça ao nacionalismo cingalês; e no Médio Oriente, onde até quem mais morre são muçulmanos, em causa está os cristãos serem vistos como quinta coluna, acusação falsa, mas que o generoso asilo dado aos árabes cristãos por países como a França torna verosímil.