Ser cristão é cada vez mais perigoso

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Os cristãos árabes sobreviveram à derrota e expulsão dos Cruzados, assim como sobreviveram à fúria dos Mamelucos por Vasco da Gama lhes tirar o comércio de especiarias e à ira dos Otomanos por Afonso de Albuquerque ter tentado um ataque à Meca. Mas talvez não sobrevivam ao século XXI, como o mostram os números da comunidade no Iraque: 1,5 milhões em 2003, antes da guerra que fez cair Saddam Hussein, meio milhão em 2014, em vésperas da tomada de Mossul pelo Daesh, talvez só 250 mil hoje. Na Palestina, a mesma tendência para o desaparecimento, mas contada em décadas: 10% de cristãos no momento da guerra que acompanhou a criação de Israel em 1948, 2% dos seis milhões que vivem na atualidade na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. No Líbano, os cristãos resistem, mas em meio século passaram de maioria a minoria.

Preocupado, Francisco falará da coexistência religiosa na visita aos Emirados Árabes Unidos, a primeira de um papa à península arábica. E o Egito inaugurou no início do ano a maior catedral do Médio Oriente, uma mensagem claramente política do presidente Al-Sisi de que os dez milhões de coptas são tão cidadãos como os seus 90 milhões de compatriotas muçulmanos, apesar dos ataques terroristas contra as igrejas.

Denunciou a ONG evangélica Open Doors que a violência com motivação religiosa ameaçava quase 10% dos cristãos, uns 245 milhões de pessoas, tendo mais de 4000 sido assassinados. E a agência Fides, do Vaticano, revelou quase em simultâneo que 40 missionários foram mortos em 2018. Nigéria é hoje o país mais perigoso para se ser cristão, não só por causa do grupo terrorista Boko Haram mas também pelo conflito aberto entre agricultores cristãos e pastores muçulmanos (sim, muitas vezes também há mortos nos outros credos).

Se os números são de difícil confirmação, já os países onde a violência se tornou rotina são bem conhecidos: República Centro-Africana, onde até a igreja de uma paróquia chamada Nossa Senhora de Fátima foi atacada, é um deles, assim como o Paquistão, onde a lei contra a blasfémia serve para vinganças pessoais, como a de que foi vítima Asia Bibi, agora perdoada mas antes condenada à pena capital.

O mundo islâmico é o mais óbvio no que diz respeito aos perigos, culpa do jihadismo que ignora séculos de tolerância com os outros povos do livro, mas da Coreia do Norte à Índia, acumulam-se situações de risco para os seguidores de Cristo. E a explicação mais óbvia para tanta perseguição, venha o ataque dos comunistas norte-coreanos ou dos fundamentalistas hindus, é os cristãos serem vistos como quinta coluna do Ocidente, esse Ocidente cristão que apesar de contar com sete das dez nações mais ricas ou com cinco das mais bem armadas na verdade pouco pode fazer a não ser prometer fundos para evitar genocídios (foi o que o americano Donald Trump fez em novembro), expressar solidariedade (como fez o Parlamento português há dias) ou tentar mudar corações, como fará Francisco.

"Tenho fé de que o cristianismo no Médio Oriente não se vai extinguir" disse-me um dia Bashar Warda, arcebispo iraquiano. Foi há três anos e o êxodo continua.

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