Ser bailarina não é só usar tutu. Dá muito trabalho

Antecipando o Dia Internacional da Dança, no próximo sábado, e a estreia, na quinta-feira, do filme "Bailarina", fomos perguntar a Filipa Castro e a Lourenço Ferreira o que é preciso para se ser bailarino: "Mais do que uma profissão, é um modo de vida".
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A primeira vez que pisou o palco do Teatro Camões, em Lisboa, Lourenço Ferreira tinha 10 anos. Não foi atuar, foi "apenas" entregar um ramo de flores à "grande bailarina" Ana Lacerda. Ainda assim, o momento foi suficientemente importante para nunca mais ser esquecido. "Lembro-me perfeitamente. Também cá estava o Carlos Acosta, que é um bailarino extraordinário", conta Lourenço. Na altura era apenas um dos muitos alunos da Escola de Dança do Conservatório Nacional, gostava de dançar mas na verdade sonhava ser arqueólogo. "Estava muito longe disto", ri-se. Hoje, com 22 anos, sentado na escadaria do teatro, na porta dos artistas, num dia de sol, Lourenço sente-se em casa. "Adoro estar aqui."

O Teatro Camões é a casa da Companhia Nacional de Bailado, a única companhia estatal em Portugal e a principal com um repertório clássico. Mas, ao contrário de outras grandes companhias, como o Ballet da Ópera de Paris, a CNB não tem uma escola onde os mais novos possam aprender a ser bailarinos.

No caso de Lourenço, tudo começou nos cursos livres e depois na Escola de Dança do Conservatório nacional. "Eu praticamente não sabia o que era o bailado, por isso não tinha qualquer sonho de ser bailarino. Mas, aos 9 anos, os meus pais acharam que eu precisava de uma educação mais rígida, porque era um rapaz cheio de energia, e, como tinha um corpo atlético, decidiram pôr-me lá. Mas para mim era uma escola como as outras." Foi preciso passarem dois anos e um grande estímulo do professor Guilherme Dias para Lourenço começar a pensar na perspetiva de fazer da dança a sua carreira. "Ele ajudou-me a descobrir que podia ter um prazer enorme a dançar, foi só aí que começou o sonho."

Também Filipa Castro não se recorda de, em criança, ter "aquele sonho" de ser bailarina. "Tinha uma colega na primária que andava numa escola de ballet e ela sugeriu que eu também fosse. Era uma escola pequenina, eu tinha 7 anos e comecei a ir duas vezes por semana", conta aquela que é, atualmente, aos 39 anos, primeira bailarina da CNB. "Quando cheguei aos 10 anos, a professora disse aos meus pais que valia a pena apresentar-me para audições na Escola de Dança do Conservatório." Filipa não achou grande graça à ideia. Contrariando o estereótipo, Filipa não era aquela miúda que vestia o tutu em casa e se punha a dançar em frente do espelho. Não tinha esse sonho. "Aquilo implicava mudar de escola e ficar longe dos meus amigos. Não era nada do que eu queria. Foi uma luta entre mim e os meus pais. Mas uma semana depois de lá ter entrado já estava contentíssima da vida."

Ainda bem que nenhum deles alimentava essa imagem glamorosa da vida dos bailarinos, assim não tiveram grandes desilusões. Aos 15 anos, Filipa já tinha "bem claro que era isto que queria, mas sabia que não ia ser fácil". "Há um estereótipo muito claro daquilo que é suposto uma bailarina ser, eu sabia que não encaixava muito bem", diz. Não era suficientemente alta nem suficientemente esguia. "Sabia que teria de trabalhar mais e romper todas as barreiras. Foi o que fiz, sou teimosa. Depois, acabei por perceber que isso não era o mais importante."

Para além das capacidades físicas e do talento, para se ser bailarino é preciso trabalho, muito trabalho. Muitas horas de ensaio. Repetir, repetir, repetir. Procurar a perfeição, mesmo sabendo que é inalcançável. Estar preparado para prescindir de algumas coisas durante a juventude (as saídas à noite, os copos, as batatas fritas com ketchup...). "Exige trabalho desde o momento em que uma pessoa começa. Com 10 anos já tinhas seis horas de dança por dia. Nós respiramos e bebemos dança de manhã à noite, não há uma dissociação", explica Filipa. "Diz-se que os bailarinos são os atletas de deus e eu concordo muito, os atletas também têm uma disciplina rigorosíssima e é talvez o que mais se assemelha à nossa profissão, mas nós, além da parte atlética, temos a parte artística." Mas claro que existe toda a parte boa. Não é só o prazer de alcançar objetivos ou de estar no palco, é também fazer o público feliz: "Fazer os outros sonhar, dar-lhes aquele momento mágico."

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Agora que já sabe controlar os nervos, Lourenço admite que o palco é o lugar onde se sente mais confortável. Depois da escola, veio logo para a CNB onde agora é corifeu, o que significa que ainda faz corpo de baile mas também já faz papéis principais. O primeiro foi Albrecht, em Giselle, há dois anos: "Fiz só uma récita, para as escolas, mas adorei. Foi um dos meus momentos favoritos. Aliás, foi um dia todo favorito", ri-se.

"Os anos passam" e Filipa continua a dizer que os papéis que mais gosta de interpretar são Giselle e Julieta. Se Felícia, a protagonista do filme Bailarina lhe pedisse um conselho, Filipa Castro iria dizer-lhe: "Tens de aceitar que esta profissão não é uma profissão, é um modo de vida. Se uma pessoa se mete nisto é para ir de cabeça e até ao fim. E não desistir. Se queres mesmo isto, tens de ir atrás do sonho e trabalhar, trabalhar, mais do que todos."

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