Sequestro

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O caso que levou à condenação de um homem pelo crime de sequestro agravado por não entregar ao pai biológico a criança de quatro anos que criou a partir do momento em que, recém-nascida, lhe foi entregue pela mãe não pode ser analisado emocionalmente, tentação muito recorrente neste tipo de situações. É fácil cair nas habituais análises do tipo Porto-Benfica, de onde escorre maniqueísmo puro. Devemos partir, portanto, do princípio de que existem aqui dois direitos constituídos e que conflituam abertamente. O pai biológico, apesar de nunca ter querido saber da criança, tem direitos? Claro que tem! Os pais "adoptivos", ainda que tenham perdido as primeiras batalhas judiciais, têm direitos relevantes no caso? Claro que sim! Devemos confiar no sistema de justiça para dirimir os direitos em confronto, mas não devemos abdicar de exprimir uma enorme perplexidade face à sentença de anteontem, no Tribunal de Torres Novas.

Os trâmites legais desta adopção, do processo de regulação do poder paternal, da satisfação dos direitos constituídos por decisões judiciais, não estão inteiramente esclarecidos publicamente, mas têm sido a base de uma discussão que no essencial tem preterido os superiores interesses da criança. Disso não há dúvida e, sobretudo, é ilusório considerar que a condenação do pai "adoptivo" a seis anos de prisão e a 30 mil euros de multa pelo crime de sequestro é o caminho mais directo para que esses interesses da criança sejam defendidos. Esta sentença é desproporcionada em relação à gravidade do caso e enferma de uma leitura cega sobre os factos e causa uma perplexidade dificilmente ultrapassável. É certo que o comportamento do militar em causa desrespeita uma ordem judicial e que poderá configurar um crime de subtracção de menor. Podia ser julgado por isso, mas, francamente, considerar a omissão de apresentação da criança ao pai biológico como um sequestro e enfiá-lo por seis anos numa cadeia é, no mínimo, espantoso. Um crime de sequestro pressupõe o uso da violência para manter alguém em cativeiro. O crime de sequestro, pelas suas envolventes penais e sociológicas, é da competência exclusiva da Direcção Central de Combate ao Banditismo, da Polícia Judiciária, o que diz tudo sobre os pressupostos de gravidade necessários à concretização do crime. O crime de sequestro tem uma moldura penal para punir comportamentos de verdadeiros bandidos e não cidadãos que lutam nos tribunais pelos seus direitos, que não fogem à justiça, que nunca cometeram crimes, que são "primários", na linguagem dos tribunais, e não devem, por isso, apanhar seis anos de cadeia. Tudo muito lamentável!

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