Senegal. Os Silva, Carvalho e Fonseca de Casamansa

Mala de viagem (162). Um retrato muito pessoal do Senegal.
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Corria o ano de 1886. Portugal era obrigado a ceder à França o território de Casamansa. Um ano antes, a Conferência de Berlim (novembro de 1884 e fevereiro de 1885), dominada pela Grã-Bretanha, pela França e pela Alemanha, tinha marcado o momento de aceleração do processo das conquistas militares em África por parte das diferentes potências europeias. Portugal conseguiu assegurar o enclave de Cabinda e a costa até ao estuário do Congo, mas viu frustradas as suas pretensões de apropriação comercial do Congo Inferior, bem como de expansão no Médio e Alto Zaire. Porém, as reminiscências portuguesas em Casamansa ainda se mantêm, integradas no Senegal. Presentemente, esta antiga colónia portuguesa luta pela independência. O nome provém do português e do nome original dado pelos primeiros navegadores, e uma língua crioula de base portuguesa ainda é falada por ali. Historicamente, foi em 1445 que ocorreu a descoberta, por europeus, deste território. Há quem diga que foi pelo navegador português Dinis Dias, que o denominou assim, ou, segundo outras fontes, no ano seguinte pelo genovês Antonio da Noli e pelo veneziano Alvise Cadamosto, quando estes navegadores italianos, por ordem do infante D. Henrique, percorreram a costa da foz do rio Geba. O primeiro estabelecimento português na região foi Cacheu, povoação fundada no contexto da Dinastia Filipina, em 1588, mas sujeita administrativamente ao arquipélago de Cabo Verde. Após a Restauração Portuguesa (1640), retomou-se o povoamento da região, com a fundação das povoações de Farim e Ziguinchor. A colonização portuguesa irradiou então a partir da foz dos rios Casamansa, Cacheu, Geba e Buda, centrada no comércio de escravos. Como as demais, a feitoria em Ziguinchor destinava-se a implementar o comércio de escravos com o reino de Gabu, que englobava, além da Casamansa, a Guiné-Bissau e a Gâmbia, compreendendo várias etnias. A prosperidade do negócio atraiu comerciantes franceses em 1459, pelo que, posteriormente, já no século XVIII, durante o consulado Pombalino, portugueses e franceses combateram entre si na região. Foi neste contexto de luta que, no último quartel do século XIX, se repartiu o continente africano entre ingleses, franceses, belgas, alemães, espanhóis e portugueses. Nós cedemos aos franceses a região de Ziguinchor e de Casamansa (13 de maio de 1886). Em troca da cedência destes territórios, a França reconheceu a Portugal o direito de exercer a sua influência nos territórios entre as possessões portuguesas de Angola e de Moçambique (Mapa Cor-de-Rosa) e cedeu a Portugal a região de Cacine, no sul da atual Guiné-Bissau. Mais recentemente, foi sobretudo desde as independências das antigas colónias portuguesas em África que os defensores da causa de Casamansa tentaram a sua independência em relação ao Senegal. Devido às ligações históricas e culturais com a Guiné-Bissau, a língua portuguesa é atualmente um fator de resistência cultural. Porém, não era essa a opinião do falecido presidente guineense Nino Vieira. A solução para o conflito e a paz na região foi encarada pelos intervenientes como essencial para a normalização da prospeção e exploração petrolífera na região. Nino foi assassinado e houve um retrocesso político. É à língua, porém, que os nativos da região se agarram para enaltecerem as relações históricas e patrimoniais com os portugueses e com a Guiné-Bissau em termos familiares. A cidade de Ziguinchor, a maior de Casamansa, tem vestígios importantes na arquitetura e nos costumes ligados à herança portuguesa, acrescidos da procura cada vez maior por aprender português nas escolas do Senegal e cursar estudos universitários em Portugal. Na Universidade Assane Seck, em Ziguinchor, foi criado o Centro da Língua Portuguesa para dar mais visibilidade à cultura e à língua portuguesas. Na cidade, não é difícil encontrar apelidos como Silva, Carvalho ou Fonseca. De todas as eloquências de um povo, um apelido é o mais conciso.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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