Semanologia: Sentido de Estado

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Arribamos a segunda-feira depois da Páscoa. Foi um momento importante de encontro das famílias, apesar das acrescidas dificuldades com que se deparam os portugueses. No círculo familiar concentrou-se a atenção.

A norte, com a vitória do Porto sobre o Benfica, o festejo foi ainda maior. É bom para o governo, estes dias de remanso. Afasta-se um pouco a atenção da opinião pública sobre as crescentes dificuldades da maioria absoluta do PS. Só para lembrar: nos sete anos que temos de Partido Socialista, degradou-se, de forma muito significativa, o Serviço Nacional de Saúde (e o aumento da mortalidade, já se sabe, não é só explicável pelo covid); a política educativa leva ao descontentamento tanto da classe docente como das famílias; a política social apesar de anúncios em sentido contrário, concretizou um corte efetivo nas pensões; os tribunais degradam-se; o PRR é já meia oportunidade perdida, nomeadamente na área da Habitação, por incapacidade de utilizar as verbas disponibilizadas pela União Europeia em tempo; na administração do território, não só tivemos os mais desastrosos acompanhamentos das épocas de incêndios de sempre - com significativa perda de vidas humanas -, como a transferência de competências para os municípios nas áreas da Educação, Saúde e Ação Social correspondem a um presente envenenado, pois não há o pacote financeiro à altura da despesa; a balança comercial desequilibrou-se de forma relevante, com um aumento de importações e a significativa ausência de cobertura pelas exportações; quase quinhentos mil portugueses (sim) emigraram nos últimos sete anos; em termos comparativos, vários países da União Europeia que estavam atrás de nós em crescimento, passaram-nos à frente; na Defesa, a falta de investimento faz com que barcos e aviões estejam obsoletos e a capacidade operacional muito limitada; e a evidência das más políticas é o que se tem passado com a área dos transportes: aeroporto de Lisboa, ferrovia, TAP. Depois, há as meias boas notícias - houve dois excedentes orçamentais. Todavia, como tivemos os mais baixos níveis de investimento público dos últimos vinte anos num país exageradamente dependente do Estado, este excedente tem um amargo de boca associado. Boa notícia é o abatimento feito pelo governo na dívida externa, apesar de não se saber se é por convicção ou para ajudar António Costa a ser presidente do Conselho Europeu. Muito mais haveria para dizer sobre os dois últimos governos de Portugal e as oportunidades perdidas.

O grau de falta de qualidade dos governantes parece ter chegado a um nível difícil de superar numa democracia ocidental. Já não é possível culpar a troika e Passos Coelho, e a covid e a inflação não justificam nenhum dos problemas acima identificados. São problemas que correspondem, simplesmente, a mau governo.

Mas a tudo isso, e à crescente falta de autoridade do Estado, provocada pelos maus resultados da ação governativa e dos sucessivos casos que envolvem membros do governo, junta-se a crescente perceção de que falta ao XXIII Governo Constitucional sentido de Estado.

O que é "sentido de Estado"? É uma qualidade essencial do bom governo: corresponde a colocar os superiores interesses do país acima de interesses pessoais, de grupo ou partidários; significa saber que "serviço público" é, efetivamente, servir os concidadãos (a maior honra que qualquer um de nós pode ter no cumprimento de funções); significa saber distinguir, em cada situação concreta, qual a decisão que melhor serve o interesse nacional e, sem tibiezas, agir em conformidade; significa a coragem de ser, quando necessário, impopular, por haver desígnios mais importantes que a popularidade; significa colocar a missão de que se foi incumbido acima de qualquer outro desígnio pessoal. Há um complemento essencial do "sentido de Estado": uma visão larga, um horizonte estratégico para melhorar a vida coletiva e que corresponda a um motor de desenvolvimento nacional. É o sentido de Estado, em conjugação com um horizonte estratégico, que permitem classificar um governante como "estadista".

Não é com um primeiro-ministro que se esconde atrás dos ministros face aos problemas, a confusão entre interesse público e interesse partidário, os atropelos da verdade a favor da conveniência, a criação de bodes expiatórios sempre que qualquer coisa corre mal, que se reconhece o bom governo da nação. Infelizmente, este já não tem concerto. Só falta perceber quando lhe será passada a respetiva certidão. Mais tarde ou mais cedo, com todos os riscos envolvidos no contexto atual, precisamos de mudança. Só isso pode devolver dignidade à política nacional e a esperança de que é possível ser/fazer melhor.

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