Semanologia: Património Cultural e Museus - um progresso? 1

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Decidiu o governo extinguir a Direção Geral do Património Cultural (DGPC), criada em 2012, e dividi-la em duas novas entidades: uma entidade pública empresarial (EPE), a "Museus e Monumentos de Portugal" e um instituto público (IP), o "Património Cultural. Escrevi no jornal Público, a 01.07.21, o artigo "A gestão do Património Cultural - o futuro da DGPC", e no boletim da ICOM Portugal (série III, junho de 2021, nº16) - "O futuro dos museus tem raízes e alterações climáticas". Não irei aqui, pois, repetir o que já disse, exceto que considerava ser adequado transformar a DGPC num instituto público, para lhe dar maior agilidade funcional, e que "partir" a DGPC em duas entidades não era recomendável e tinha por objetivo essencial proteger interesses corporativos de "gentes da museologia" que nunca tinham gostado de estar na mesma estrutura que as "gentes do património". Todavia, o que se decidiu em 2023, foi dividir a DGPC. Com um bónus para as "gentes da museologia" - palácios e monumentos que antes estavam no Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico (extinto em 2012, tal como o Instituto de Museus e da Conservação) passaram a estar na nova entidade de gestão museológica. O ministro da Cultura veio afirmar que era esta a medida adequada a tomar, porque a DGPC tinha sido "um retrocesso". Esta afirmação é mera retórica ou será que a DGPC foi mesmo um retrocesso? Se sim, em quê?

Também já escrevi sobre o trabalho feito, em concreto, pela DGPC e outras entidades integrantes do Ministério da Cultura, entre 2011 e 2015, no período em que pertenci ao XIX Governo ("As políticas públicas da Cultura: 2011-2019", jornal Público de 09.07.19). Aí afirmava que se tinha feito mais pela Cultura entre 2011 e 2015 no governo Passos Coelho, que nos governos Costa de 2015 a 2019. Nunca vi escrita uma demonstração que contrariasse o que disse. Por isso, vou considerar a afirmação do atual ministro da Cultura sobre "retrocessos" como mera retórica. Veja-se, agora, em concreto, o que acontece com a nova distribuição de competências decididas pelo governo nos domínios da DGPC e o que tal significa.

Em primeiro lugar, há que referir uma situação "escondida", que vale a pena evidenciar: esta nova estruturação vai contra a ideia de desconcentração e descentralização de competências que o atual governo vende como sendo uma sua marca. De facto, a decisão de extinção das Direções Regionais de Cultura (DRCs), leva a que parte das suas competências sejam absorvidas pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDRs) e parte sejam concentradas nas novas estruturas da Administração Central e da gestão empresarial nacional do Estado. É de relembrar que a existência de DRCs - organismos descentralizados com sede em Vila Real, Coimbra, Évora e Faro - permitia a existência, ao mesmo tempo, de uma instância de proximidade com competência técnica específica no domínio da Cultura, e, com distância decisional em relação aos municípios. A distância reduz-se significativamente, ao integrar competências relevantes das DRCs nas CCDRs. As CCDRs, no modelo aprovado pelo governo em 2023, são institutos públicos de âmbito regional, e as suas direções, essencialmente, são representações dos municípios e interesses locais (pois são estes que elegem os seus membros). Competências como "emissão de parecer sobre os planos, projetos, trabalhos e intervenções nas zonas de proteção dos imóveis classificados ou em vias de classificação e respetivo acompanhamento e fiscalização", passam a ser das CCDRs. Ou seja, os municípios são, ao mesmo tempo, proponentes de certo tipo de intervenções em zonas classificadas e, através das CCDRs, juízes sobre a viabilidade das mesmas. Ativos museológicos e patrimoniais que estavam a ser geridos a nível regional pelas DRCs, passam agora a ser geridos a nível nacional. É o caso, entre tantos outros, das Sés Catedrais de todo o país, do

Museu de Lamego, do Mosteiro de Santa Clara a Velha em Coimbra, do Convento de São Bento de Cástris em Évora, da Fortaleza de Sagres. Ao mesmo tempo, vai entregar-se a municípios de todo o país a gestão de sítios, castelos, igrejas, museus que antes estavam afetos às DRCs, sendo que não se prevê, em sítio algum, os termos desta passagem. É já evidente, nas áreas da educação e da saúde, que a transferência de competências da administração central para a administração local, se está a fazer sem a justa transferência de meios financeiros e humanos. Infelizmente, prevê-se que o mesmo possa acontecer com a área da Cultura, com uma agravante: é razoável acreditar que os municípios, feitas estas transferências, e face às dificuldades de acorrer a todas as necessidades, priorizem os domínios da saúde e da educação em detrimento dos equipamentos culturais entregues à sua guarda. (Conclusão do artigo na próxima segunda-feira)

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