Semanologia: O país adiado

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Adiar decisões é melhor ou pior que tomar uma decisão razoável? Decidir é, face a uma questão que exige resolução, fazer escolhas. A decisão não implica só escolher, como exige escolher no tempo certo. Se alguém se está a afogar e dois nadadores salvadores se põem a discutir durante meia-hora sobre quem é que deve proceder ao salvamento, é provável que quando a decisão for tomada, e mesmo havendo recursos disponíveis - capacidades do nadador, barco, etc. -, seja tarde.

Poder decidir é não só uma oportunidade como, muitas vezes, um privilégio. Um doente terminal não tem o poder de decidir o que vai fazer três anos depois. Uma criança com fome numa família sem recursos não pode escolher o que vai almoçar.

É por isso que adiar decisões quando se tem poder para decidir é um desperdício e, por vezes, uma situação inaceitável. Adiar uma decisão, é certo, é uma forma de decidir encapotada, seja consciente, seja inconscientemente - decidir não decidir. Adiar uma decisão é, também, por vezes, uma forma de irresponsabilidade. Ou seja, não querer assumir a tomada de uma decisão - ser responsável por ela, ser avaliado por ela -, pode corresponder, mais que a uma manifestação de medo, a uma declaração de menoridade - não ser capaz de assumir as consequências de um ato.

As decisões podem ser boas, razoáveis, más. O que é uma decisão razoável? É aquela que, não preenchendo todos os requisitos de uma boa decisão, é melhor que uma má decisão, nas quais se inclui a decisão de não decidir.

Por exemplo: o Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa. Começado a construir nos fins do século XVIII, sobre as mais diversas vicissitudes históricas, vai avançando lentamente em obras várias que o deixam inacabado (na versão que acabou por vingar) nos fins do século XIX. Passou todo o século XX sem que nada acontecesse para rematar a ala poente, uma ruína à vista de todos, uma metáfora, quiçá, de um país adiado. Sucessivamente, fizeram-se projetos e discutiram-se soluções. Nunca se decidiu por nenhuma. Quando cheguei ao Governo, em 2012, e estando instalado no Palácio Nacional da Ajuda, todos os dias via esta ruína, que era também visível para todos os altos dignitários estrangeiros que eram convidados protocolares, nomeadamente, do Presidente da República, para jantares de Estado. Mostrar o Portugal meio-feito e meio-arruinado, ali, de caras. Para os Portugueses, talvez a circunstância fosse indiferente, afinal é mister de reis e presidentes abandonar grandes obras antes do fim, de que o Mosteiro da Batalha é exemplo maior, ou ter demoras como as obras da Igreja de Santa Engrácia, em trabalhos desde o século XVI ao século XX. Não sendo caso exclusivo de Portugal, percebe-se que o tempo das decisões tem significado no resultado das mesmas. Ponderei se fazia sentido lançar mais um concurso público para escolher arquiteto que terminasse a obra da Ajuda. Seria o ideal. Mas já tinham sido lançados vários, durante décadas, sem consequência. Decidi fazer a obra de conclusão do Palácio Nacional da Ajuda com recursos técnicos da própria Direção-Geral do Património Cultural, em 2014. Aprovei os procedimentos para o efeito e decidi a instalação na nova ala das Joias do Tesouro Real. Seis anos depois, o Palácio que teve obras paradas nos séculos XIX, XX e XXI, estava concluído. Tomei a melhor decisão? Creio que tomei uma decisão razoável, não, necessariamente, a melhor. Mas, como referi, é preferível tomar decisões razoáveis a não as tomar.

O nosso caminho de ferro foi criado no século XIX. Só no século XXI, com a ligação ferroviária da Ponte 25 de Abril, o país ficou ligado de Norte a Sul. A maior parte das deslocações de pessoas na ferrovia são lentas e penosas em todo o país e discute-se há 30 anos traçados e opções para o TGV, quando Espanha, França, Reino Unido, Alemanha, Bélgica - só para referir alguns países europeus com quem nos interessa ter rapidez de troca de pessoas e mercadorias - estão conectados há décadas.

A decisão de localização do novo aeroporto de Lisboa já entrou no anedotário nacional. Ninguém espera que haja decisões ideais para estas duas questões estruturantes do nosso desenvolvimento. Mas espera-se que não se adie mais, num país, em tantas frentes, adiado. É que cada ano de não-decisão, face àqueles que, na Europa e no mundo avançam, corresponde a um aumento da distância, medida em termos de desenvolvimento. Num ambiente tenso e conturbado como aquele que se vive, nacional e internacionalmente, decidir é ainda mais importante. Onde estão as decisões razoáveis?

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