Ao longo da história humana, a combinação dos fatores força e autoridade têm oferecido as mais diversas variações. Aplica-se à vida interior de cada um - as forças em nós que, amiúde, se antagonizam, entre desejo e necessidade, entre dever e vontade. Aplica-se às relações interpessoais na vida privada - como nos colocamos e somos colocados, em termos da apresentação do eu e seu posicionamento na emissão e receção de mensagens, de propostas, de relacionamentos. Aplica-se às interações no espaço público, regidas ou não por normas formais - as leis e as forças que as assistem..Cada comunidade, entre as suas tradições e modernidades, o seu substrato cultural e o modo como este influencia e é influenciado, adota determinado modelo de equilíbrio entre força e autoridade, que rege a vida em comum..A discussão filosófica sobre as hierarquias entre lei do mais forte e autoridade moral têm perpassado os séculos. Desde os que defendem o incondicionamento dos mais fortes, àqueles que os submetem, integralmente, à autoridade moral, que passará a ser a força. Claro que o valor moral da autoridade moral é tão questionável como a força dos mais fortes, e, entre estes questionamentos, levantam-se discussões, tensões, tumultos, revoluções e guerras..A situação que se vive na Faixa de Gaza é palco do desequilíbrio. A tensão latente entre Israel e o Hamas, povoada por provocações mútuas e ataques esporádicos dos dois lados, tornou-se conflito declarado, com a agressão bárbara praticada pelo Hamas a 7 de Outubro, que provocou a morte de mais de 1200 israelitas e o rapto de mais de 250. A resposta de Israel causou, até ao momento, mais de 15 000 mortos, 1,5 milhões de deslocados e a destruição física de parte significativa do edificado do território, nomeadamente, das suas infraestruturas básicas..Como se articula força e autoridade nesta situação? Sabe-se que o povo de Israel, ao longo dos séculos, tem vivido uma história onde a sua existência, por diversas vezes, foi ameaçada. Deportação, subjugação, expulsão, segregação, genocídio, praticados contra os israelitas não podem, em momento algum, ser esquecidos. Também não se pode esquecer que o Hamas usou e usa a população civil e instalações públicas como escudos e bases operacionais, por vezes, com a sua cumplicidade. Campos de refugiados, hospitais, escolas, etc., serviram e servem como centros de ação militar e terrorista. A questão que se coloca é saber se este conhecimento atribui a Israel autoridade moral, conjugada com a lei do mais forte, para agir da forma que está a agir em território palestiniano. Sim, sabe-se que, em diversos momentos históricos, os israelitas estiveram colocados do lado dos mais fracos e objeto de injustiça moral grave. Mas será que, mesmo sabendo que o Hamas usa práticas moralmente condenáveis e contrárias às leis da guerra e aos tratados internacionais, se deve usar práticas moralmente condenáveis e contrárias às leis da guerra e aos tratados internacionais? Não seria possível executar uma ação militar mais orientada para alvos específicos, não negando o direito de Israel eliminar a ameaça sistémica que o Hamas representa? Será que as vantagens imediatas, face à estratégia em curso, compensarão a perda de autoridade moral e não levarão ao enfraquecimento futuro? O grito de desespero de Philippe Lazzarini, comissário da ONU para a Agência dos Refugiados palestinianos (UNRWA), numa carta escrita no passado dia 8 de dezembro ao presidente da Assembleia-Geral das Nações Unidas deve ser ouvido. "Para prevenir um desastre irreversível", como ele diz.