Semanologia: Construir

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Um dos dilemas fundamentais da vida humana assenta entre fazer e não fazer. A ação é um exercício interior (a construção do espírito) e exterior (a construção social). Dificilmente se pode separar uma da outra, pois ação externa sem alma e alma sem mundo são paradoxos.
Hoje, falo de três ações e da alma que as ilumina.

1. Por efeito de uma ação bem sucedida, completaram-se seis meses na passada quarta-feira sobre a eleição de Luís Montenegro como Presidente do PSD. Depois de quatro anos e meio de Rui Rio. No mandato de Rui Rio, foi fundado o Chega, que tem hoje 12 deputados. A Iniciativa Liberal, nascida em 2017, concorreu, pela primeira vez, ao Parlamento, e tem hoje 8 deputados. O PSD, nas duas eleições legislativas sob sua responsabilidade, teve, ao lado de valores de 1983, os mais baixos resultados de sempre (27% em 2019 e em 2022, ano em que o PS alcança a maioria absoluta). O homem que iniciou o seu mandato, em 2018, a dizer que tinha como grande objetivo "tirar o PS das mãos da Extrema Esquerda"; que em 2019, de aliou ao PCP e BE no Parlamento, a propósito da contagem do tempo de serviço dos professores, criando um imbróglio que António Costa aproveitou eximiamente; que na derrota nas últimas eleições legislativas (2022), com maioria absoluta do PS, 20 deputados para partidos à sua direita, zero deputados para o CDS na sequência da sua recusa de uma aliança pré-eleitoral... este homem terminou a sua vida política a falar em alemão. Enquanto líder do PSD, o que construiu?

Luís Montenegro, recebeu um partido desmotivado num país semi-adormecido. Em contexto nacional e internacional muito desafiante. Como militante do PSD, vejo com agrado que nestes meses já conseguiu aumentar as intenções de voto. E que no seu périplo de uma semana em cada mês por todos os distritos, está a construir, de forma sistémica, uma aproximação às pessoas e ao território. Portugal precisa de um PSD forte, clara alternativa ao PS. É assim que se constrói democracia - com Oposição consistente e munida de projeto político.

2. Na passada sexta-feira, PS, PC e BE, votaram contra as propostas do PSD, IL e Chega de alargar a gratuitidade dos manuais escolares aos alunos do ensino privado e cooperativo. Uma machadada na construção da liberdade. Concretamente, da liberdade de escolha. A Constituição consagra essa liberdade, escolher entre o ensino público, particular e cooperativo. A liberdade só pode ser exercida em condições de igualdade. Ao limitar ao ensino público o acesso aos manuais escolares, impede-se as famílias de classe média e classe média baixa de escolher o ensino privado e cooperativo como caminho para a educação dos seus filhos. Sim, porque não só os filhos dos "ricos" que frequentam este tipo de ensino. Que, por sinal, apresenta a maior taxa de sucesso em termos de resultados escolares dos seus alunos. Esta restrição, é um ato deliberado para deitar abaixo a construção do edifício do ensino privado e cooperativo, pois obriga as famílias de menos recursos a migrar para o ensino público. Ou então, de facto, teremos no ensino privado e cooperativo, as escolas dos ricos. Temos de agradecer aos partidos de Esquerda o terem agravado as desigualdades neste domínio. Relembro um parecer sobre esta matéria da Provedora de Justiça, onde esta diz que uma lei - a dos manuais escolares - não é, por ser lícita, necessariamente, justa. A prática desta injustiça pela Esquerda portuguesa, terá reflexos na construção do médio e longo prazo.

3. No passado sábado, em Almada, celebraram-se 25 anos da Mostra Nacional Jovens Criadores. Convidou-me a organização a estar presente, enquanto "pai" desta iniciativa que ocorre anualmente e à qual já concorreram dezenas de milhares de jovens, foram apresentados publicamente milhares de jovens artistas em muitos domínios, e centenas entre eles afirmaram os seus percursos, da literatura às artes visuais, das artes performativas ao audiovisual, das artes aplicadas à arquitetura. Desde cedo acreditei - e continuo a acreditar - que potenciar as políticas culturais, seja do lado da criação e valorização do património, seja do lado da fruição, é fundamental para a construção de uma sociedade democrática, na sua pluralidade e capacidade de gerar uma alma crítica e participativa nos cidadãos.

A construção pessoal e social precisa de alma e de vontade. E para ambas, o olhar além do horizonte imediato.

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