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As delícias de Cápua
e as couves de Bruxelas

1 Consta que Aníbal Barca, o grande general da Antiguidade, uma das maiores glórias de Cartago, depois de feitos de guerra imensos, em que demonstrou a sua bravura e capacidades de estratego militar, terá chegado à pequena cidade de Cápua, na Campânia, a sul de Roma. Aí decidiu passar os rigores do inverno com o seu Exército, cansado de ferozes confrontos, dos quais tinha saído vencedor. Eventualmente, estaria a preparar-se para a batalha final, a tomada de Roma, depois das diversas derrotas que já infligira aos romanos. Cápua, diz-se, era lugar ameno de clima e tentador nos seus prazeres e volúpias. Nas delícias de Cápua terá enfraquecido a determinação do líder, entre ausência de reforços militares e falta de vontade de confrontos, pesadas as vantagens trazidas pela companhia de mãos cálidas e doces.

2 ​​​​​​​Nem sempre é o adversário sitiado que vence pelo seu mérito. Amiúde, é a tibieza do general e das suas tropas que corrompe a possibilidade de vitória. Diminuir a força própria entre ébrios perfumes e gentis donzelas (oh, sim). Querer a derrota própria e os seus prazeres, que a vitória transporta a glória e a responsabilidade do comando. Quem vence não o faz nunca eternamente. A vitória é uma conquista à espera de quotidiano reforço. E na persistência do ganho ocorre a fatiga do comandante.

3 A Península Ibérica recebeu, nos idos de alguns séculos antes da Era Cristã, o sinal da presença do grande general, que, com os seus elefantes de campanha, daqui partiu, cruzando os Pirenéus e os Alpes, entrando em Itália pelo norte e vencendo sucessivas batalhas. Que penosa terá sido a giesta da passagem das escarpas alterosas, quantos homens perdidos no percurso, quantas dores para contar e outras para calar.

CitaçãocitacaoQuem vence não o faz nunca eternamente. A vitória é uma conquista à espera de quotidiano reforço. E na persistência do ganho ocorre a fatiga do comandante.esquerda

Aqui, nesta península ocidental, ocorreu, mais tarde, o romano, o germânico, o árabe, o cristão, o laico e agora o plural sem nome ou catálogo. Aqui, na praia lusitana, parece que o atual furor da vitória socialista, engolidos elefantes do tamanho de uma esquerda cuja arrogância vai mais alto que o cume do Monte Branco e atravessado o Rubicão das alianças que, saudosamente, se batizou de Geringonça, aqui, depois da suprema vitória eleitoral, repousa-se, sobre os despojos de adversários sem nome. Já não em Cápua, mas na Comporta, e noutros destinos, cujos ares enlanguescem o corpo e o espírito, deliciosamente.

Os generais vitoriosos, e mesmo o seu generalíssimo, senhor das maiorias absolutas, repousavam na sombra dos palácios laicamente habitados, quando se fizeram presentes os achaques de um verão africano. Então, num rebate republicano, foi corrido o talhão peninsular de lés a lés, numa campanha militar sem igual, ficando visível o cuidado pelo povo que lava no rio, mesmo se a água mingua por lá. E se o fogo arde, lambendo o que resta das matas e dos arrufos florestais, arrastando vidas pequenas e grandes superfícies, que fazer? Que fazer, quando a insatisfação da vitória pede para se deixar a praia e, quem sabe, atravessar os Alpes?

O generalíssimo, disperso nestas reflexões entre o sono e o sonho, acordou em sobressalto. Deu um abanão na maioria absoluta, passou a mão pelo pelo do seu tigre, agora domesticado, e mandou vir uma cerveja fresca com tremoços e uma passagem aérea para Bruxelas. Onde as couves são mais verdes, dizem.

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