Semanologia
B de bifurcação e M de Mélenchon - A fratura na sociedade francesa corresponde à perceção de múltiplas fraturas na Europa. Jean-Luc Mélenchon e a sua união das Esquerdas assina um programa que defende o afastamento da França dos EUA, a aproximação à Rússia, a suspeição da União Europeia, o fim da 5ª República e uma Assembleia Constituinte. Coisa pouca. A proposta de alteração da ordem estabelecida ameaça o modelo de Europa tal como o conhecemos. Mas esta ameaça deve lembrar o seguinte: o atual estado das coisas não é sustentável. E é por isso que o conceito de bifurcação, utilizado no programa eleitoral de Mélenchon, deve fazer pensar. A bifurcação ecológica - ou saber qual o caminho que queremos seguir - é uma questão absolutamente crítica. Cada dia que passa, mais nos aproximamos de um ponto de não retorno face à predação climática provocada pelo Homem. Também as suas propostas de empoderamento cidadão, nomeadamente, no que respeita à organização do poder dos media, merece atenção. É que não se pode ver a situação atual a preto e branco. Só colhendo, com abertura, o melhor das ideias de organização social e ambiental, podemos responder aos desafios do Presente.
D de discurso e M de Musk -Tem de se reconhecer os resultados que, sucessivamente, Elon Musk atingiu com apostas arriscadas, como é o caso da Tesla ou da SpaceX. O seu desafio atual - revolucionar as redes sociais - não é indiferente. Veja-se a afirmação que fez a propósito do Twitter, que está a adquirir: "Tenho a forte intuição de que ter uma plataforma pública maximamente fiável e largamente inclusiva é extremamente importante para o futuro da Civilização." Nada menos. Ao querer redesenhar uma "praça pública digital" onde seja efetivamente possível o discurso livre e a participação de todos e ao propor uma série de medidas para o efeito, coloca questões essenciais para a normatividade das dinâmicas discursivas contemporâneas. Diz o Economist que há um princípio das democracias liberais que deve ser respeitado - as instituições são maiores que as pessoas que as dirigem. E sugere que se Musk quer ser um guardião imparcial desta praça pública, deve congelar a sua conta pessoal. Atualmente, as redes sociais são plataformas preferenciais das manifestações discursivas e envolvem milhares de milhões de seres humanos. Aí se determinam tendências, fazem negócios, constroem e destroem pessoas e movimentos. Movimentos políticos e sociais decorrem de dinâmicas geradas nas redes. Ao serem utilizadas por uma parte muito significativa da população mundial, e sendo as palavras e as imagens os grandes veículos, tornaram-se em territórios onde o poder do discurso é a metafísica social. Uma metafísica onde não importa a verdade e a mentira. Acima de tudo, conta o número de seguidores. Musk diz querer alterar as formas de controlo discursivo para beneficiar a liberdade de expressão, colocando, de novo, o problema da liberdade e dos seus limites. Autoregulação ou heteroregulação? Será a sua atitude genuína ou tem uma agenda escondida?
V de vestido - Um vestido pode ser símbolo de momentos históricos, pela circunstância e pessoa a que está associado. É assim com o vestido com que Marilyn Monroe cantou Happy Birthday Mr. President, a John F. Kennedy, em 1962. Kim Kardashian, que faz parte desse lixo intoxicante a que se chama reality shows, usou- no Met Gala 2022, em Nova Iorque. Não há limites para estas socialites exuberantes. O que fazer para estar nas bocas do mundo? Tudo o que for possível e mesmo o que for impossível. Sendo bem mais larga de ancas que Marilyn e apesar da dieta que fez, Kardashian estragou o vestido ao usá-lo. Culpa maior é da entidade que aceitou emprestá-lo. A socialite limitou-se a cumprir um capricho, que lhe deu mais um slot de visibilidade. E assim, um momento icónico da história recente dos Estados Unidos, há 60 anos, passou hoje a ser uma mera nota de rodapé dos faits divers da temporada Primavera/Verão. Enfim.