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A de Autor - O que é um autor? A resposta é complexa e não cabe no espaço desta crónica. Com insuficiência, direi que a autoria é uma atribuição estatutária de reconhecimento normativo que valoriza a criação e lhe atribui direitos em relação a dado sujeito titular. O Artigo 58.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) determinava que os rendimentos provenientes da propriedade literária, artística e científica, quando auferidos por titulares de direitos de autor ou conexos residentes em território português, desde que fossem os titulares originários, eram tributados a 50%, com o limite de 10.000,00 - ou seja, um autor que recebesse, enquanto tal 20.000 Eur/ano, seria tributado sobre 10.000,00. O objetivo era simples: incentivar domínios essenciais para a construção de uma sociedade mais plural, competitiva e desenvolvida. Domínios que, sendo muito exigentes e diferenciados em termos de trabalho, têm condições remuneratórias e de proteção social muito limitadas. O Orçamento de Estado de 2022 terminou com este benefício fiscal, desincentivando a criação literária, científica e artística. Assim se vê a real atenção colocada pelo Governo e pela Assembleia da República nos criadores. Distração? Vontade de limitar a criação portuguesa? Incompetência?

D de Diretiva, M de Mercado - A legislação europeia é matéria sujeita a um regime complexo. Uma diretiva europeia é uma norma obrigatória aprovada no quadro da União Europeia e para valer nos termos do seu conteúdo mas que só vigora em cada Estado Membro depois da sua transposição para a legislação nacional. Em 2019, a EU aprovou a diretiva que visa proteger os direitos de autor e direitos conexos no Mercado Único Digital. Devia ter sido transposta para o sistema jurídico nacional até Junho de 2021. O Governo e a Assembleia da República não o fizeram. Como consequência, a EU abriu um processo contra Portugal por incumprimento na transposição da diretiva. Agora, Portugal tem dois meses para cumprir a transposição. É possível concretizar esta transposição neste curto espaço de tempo? Sim, desde que o Governo peça à Assembleia da República autorização para legislar nesta matéria e avance, a partir daí, através de um decreto-lei. Não há, pois, neste momento, desculpas para falhar este objetivo. Porque até agora não se avançou? Distração? Vontade de limitar a criação portuguesa? Incompetência?

MP de Música Portuguesa - Atualmente, a difusão musical não tem fronteiras, nem físicas nem digitais. Assim, valorizar a criação musical feita em Portugal, face a uma indústria internacional com uma escala muito maior que a nossa, não é protecionismo nem limite à concorrência, é, simplesmente, garantir equilíbrios que evitem monopólios e impeçam a pluralidade cultural, face a géneros musicais ou empresas dominantes. A 27 de Janeiro de 2021, a obrigatoriedade de passagem nas rádios que operam no território nacional de emitir música portuguesa subiu da quota mínima em vigor - 25% (desde 2006) para 30%. Todavia, a fixação de uma quota mínima deve ser regulada, nos termos da lei, anualmente, por uma portaria do membro do Governo com a tutela da Cultura. Como o Governo deixou caducar a portaria de 2021 e não produziu uma nova, a quota mínima obrigatória de Música Portuguesa ficou desprotegida, pois sem norma que a determine, não há razão que obrigue as rádios a cumprir esta restrição, em termos da obrigatoriedade de uma percentagem de Música Portuguesa nas suas emissões. A obrigatoriedade de uma percentagem mínima de Música Portuguesa diminui a capacidade de mercado das rádios? Está demonstrado que tal não aconteceu. Faz sentido valorizar a Música Portuguesa? Sem dúvida, é o mínimo que se pode fazer para garantir equilíbrios face à escala e agressividade de músicas na competição global. Distração? Vontade de limitar a criação portuguesa? Incompetência?

Nota: A tília por baixo da minha janela continua florida. As abelhas não a largam. Acho que ainda vou ter mais duas semanas de celebração do seu perfume. No fundo, o que nos pode fazer bem, habitualmente, está bem perto.

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